Relator de uma das ações em julgamento no Supremo Tribunal Federal que trata da regulamentação das redes sociais, o ministro Dias Toffoli fez duras críticas ao comportamento das plataformas. O ministro rebateu os argumentos apresentados pelo representante do Facebook de que não era possível confirmar a identidade da vítima de perfil falso objeto da ação, afirmando que é possível sim o monitoramento prévio do conteúdo. Ele disse que as redes sociais se alimentam de inverdades e estímulo ao ódio.
” Infelizmente, o que dá like e impulsionamento, mais marketing, mais publicidade, mais ganho… e, ao fim e ao cabo, é de business, de dinheiro que se trata. Não há interesses aí outros que não o lucro”, afirmou.
O STF retomou nesta quinta-feira (28.11) o julgamento sobre a regulamentação das redes e a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet. O artigo prevê que o provedor de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não adotar as providências para tornar o conteúdo indisponível.
Toffoli começou a apresentar o voto dizendo que “esse é um dos temas mais importantes julgados pelo Supremo durante os 15 anos em que está na Corte”.
Na avaliação do ministro, o artigo 19 do Marco Civil garante imunidade às plataformas e a responsabilidade civil só surge após a ordem judicial e o descumprimento da ordem.
“Se a ordem judicial é cumprida, não há que se pagar dano nenhum. Se dá de ombros, aquilo pode ter ficado um ano, dois anos, e já é uma eternidade um dia na internet, com milhões de acessos que pode ter, sem nenhuma reparação posterior”, afirmou. E continuou.
“O que é ilícito no mundo real é ilícito no mundo virtual, e o que é lícito no mundo real é lícito no mundo virtual. Simples assim. Não precisaria nem de lei específica para se aplicar o Direito”, completou.
Dois recursos
Os ministros analisam conjuntamente dois recursos que tratam da responsabilidade das plataformas por conteúdo de terceiros e a remoção de postagens ofensivas sem determinação judicial. Os processos envolvem bigtechs como a Meta e o Google e as ações já tiveram a repercussão geral reconhecida.
Uma das ações é o Recurso Extraordinário 1037396/SP, que discute a exigência ou não de ordem judicial para a retirada de perfil falso.
A empresa Facebook Serviços Online do Brasil Ltda, do grupo Meta, interpôs a ação sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 2014).
Conta falsa
Uma das ações refere-se a uma mulher que teve uma conta falsa criada no Facebook e entrou com ação na Justiça paulista para removê-la. Ela alegou que o perfil enviava mensagens ofensivas para outras pessoas. A Segunda Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de Piracicaba (SP) condenou a rede social a excluir o perfil falso e a pagar indenização por danos morais. Para a Justiça paulista, condicionar a responsabilização da empresa a uma medida judicial prévia fere o direito básico de reparação de danos patrimoniais e morais.
Ao questionar a decisão no Supremo, o Facebook defendeu a constitucionalidade do art. 19. A empresa sustenta que a norma preserva a liberdade de expressão e de comunicação, e impede a censura.
Em relação ao perfil falso, o representante do Facebook, José Rollemberg Leite Neto, afirmou que a demora na exclusão da página ocorreu porque havia divergências quanto à falsidade do perfil e devido à possível violação dos termos de uso contratuais.
Ele defendeu a necessidade de mediação judicial em caso de dúvidas. Argumentou que a discussão é importante para a preservação do jornalismo profissional, já que grande parte dos conteúdos postados vem dessas fontes. Segundo Rollemberg, a exclusão de qualquer conteúdo que represente denúncia ou crítica pode ser vista como ofensiva e gerar um grave prejuízo ao debate público.
Página com ofensas
Outro caso analisado é o RE 1057258/MG que trata da responsabilidade das plataformas digitais pelo conteúdo gerado pelos usuários e da possibilidade de remoção de posts ofensivos, incitadores de ódio ou falsos.
A ação, que também tem repercussão geral, foi interposta pela Google e discute se a empresa que hospeda sites na internet tem o dever de fiscalizar o conteúdo publicado e retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção do Judiciário. A empresa argumenta que esse tipo de fiscalização seria impossível e configura censura prévia por empresa privada. O relator é o ministro Luiz Fux.
Na ação de origem, uma professora acionou a Justiça para a retirada de uma página intitulada “Eu odeio a Liandra”. Ela alegou constrangimentos e danos a sua imagem que afetaram também o seu ambiente de trabalho. No STF, o Google recorreu de acórdão da 1ª turma recursal cível do JEC de Belo Horizonte/MG, que confirmou a sentença condenatória responsabilizando a rede social Orkut pela remoção da página, além de determinar o pagamento de R$10 mil por danos morais. Mesmo após a notificação, a plataforma se recusou a retirar a página que continha ofensas do ar.
Representante do Google, o advogado Eduardo Bastos Furtado de Mendonça ressaltou que a empresa reconhece que a desinformação e os discursos de ódio na internet são um problema real, mas ressaltou que a responsabilidade pela intolerância e ódio não deve ser atribuída às plataformas.
Ele admitiu que o art. 19 do Marco Civil da Internet não está imune a aperfeiçoamentos, mas argumentou que a norma não retira limites nem dificulta a responsabilização dos infratores.Também destacou que o dispositivo não impede que conteúdos nocivos sejam removidos sem prévia decisão judicial, o que acontece na maioria dos casos. Afirmou que, por necessitar de análise judicial, geralmente os casos com conteúdos controversos são levados ao Judiciário.
Ressaltou, ainda, que mudanças genéricas no Marco Civil da Internet podem implicar em censura a terceiros. E defendeu como modelo mais adequado o art. 21 do Marco Civil, que regula casos de conteúdos íntimos não consentidos e estabelece a notificação como fase inicial para a responsabilização.
Amicus Curiae
Durante o julgamento, 19 amigos da Corte participaram das sustentações orais. Entre eles, o advogado – geral da União, Jorge Messias, que defendeu a ampliação das responsabilidades civis das plataformas digitais em casos de conteúdos ilícitos gerados por terceiros e por eles veiculados. O ministro lembrou que, à época da construção do Marco Civil da Internet, o que se discutia era a soberania do país. Mas disse que hoje, “efetivamente, nós estamos tratando de algo maior, da própria sobrevivência do Estado Democrático de Direito”.
O representante da Associação Brasileira de Sistemas de Rádio e Televisão (Abert), Marcelo Lamego Carpenter Ferreira, seguiu a mesma linha. Argumentou que o dispositivo é inconstitucional e que as plataformas estimulam o ambiente de confronto em busca de mais lucro com engajamentos.
Devido ao horário, o julgamento foi suspenso e será retomado na próxima quarta-feira (04.12), com o complemento do voto de Dias Toffoli e votos dos demais ministros.