Em um mundo onde 673 milhões de pessoas ainda enfrentam a fome crônica, segundo o Relatório SOFI 2025, a parceria entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) emerge como um farol de esperança. Na época em que estava no Parlamento Italiano, testemunhei de perto o poder transformador da cooperação Sul-Sul, especialmente entre Brasil e América Latina, mediada pela FAO. Essa colaboração, consolidada há mais de uma década, não apenas reposicionou o Brasil como referência mundial no combate à fome, mas também oferece lições globais sobre como políticas públicas integradas podem unir segurança alimentar, agricultura familiar e desenvolvimento sustentável.

A força dessa parceria está na capacidade do Brasil de compartilhar suas experiências bem-sucedidas, como o Programa Fome Zero, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Desde 2010, o Programa de Cooperação Internacional Brasil-FAO investiu mais de 60 milhões de dólares em iniciativas que fortalecem sistemas alimentares inclusivos, agricultura familiar e governança territorial na América Latina e no Caribe. Em novembro de 2024, o governo brasileiro, por meio do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), lançou um novo projeto com a FAO focado em populações vulneráveis em áreas urbanas e periurbanas, promovendo produção sustentável, distribuição equitativa e monitoramento nutricional. Essa iniciativa reflete a visão brasileira de que combater a fome exige mais do que assistência emergencial: demanda sistemas alimentares resilientes, enraizados em comunidades locais.

O Brasil se destaca como referência global por sua trajetória notável. Em julho de 2025, a FAO anunciou que o país saiu definitivamente do Mapa da Fome, com a subnutrição grave reduzida a menos de 2,5% da população – uma conquista alcançada em apenas dois anos de políticas intensificadas. Esse marco tem raízes no Programa Fome Zero, lançado em 2003, que cortou a insegurança alimentar de 40 milhões para menos de 3 milhões de pessoas em uma década, reduzindo a subalimentação em 82% até 2013. Estruturado em quatro eixos – acesso a alimentos, fortalecimento da agricultura familiar, geração de renda e mobilização social –, o programa integrou ações como o PRONAF, que ofereceu microcrédito e assistência técnica a pequenos produtores, transformando a agricultura familiar em pilar da segurança alimentar.

Os programas PAA e PNAE são exemplos concretos do “modelo brasileiro” elogiado pelo representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic. O PAA garante a compra direta de produtos da agricultura familiar por entidades públicas, como bancos de alimentos e hospitais, proporcionando renda estável a pequenos agricultores e reduzindo desperdícios. Já o PNAE, reformulado em 2009, atende 43 milhões de estudantes com refeições nutritivas, destinando pelo menos 30% de seu orçamento à agricultura familiar – uma política que injetou R$ 3,8 bilhões no setor e inspirou 80 milhões de alunos em programas similares na América Latina, via parcerias com a FAO. Esses programas criam ciclos virtuosos: fortalecem a economia rural, garantem nutrição nas escolas e promovem soberania alimentar.

A influência brasileira transcende suas fronteiras. A Iniciativa América Latina e Caribe sem Fome 2025, apoiada pela FAO, e a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, proposta pelo Brasil no G20 de 2024, integram o PAA e o PNAE em coalizões internacionais, como a Coalizão Global para Alimentação Escolar, copresidida pelo Brasil, França e Finlândia. Projetos como o +Algodão e o Fortalecimento da Governança Responsável da Terra, no âmbito da cooperação Brasil-FAO, promovem aquicultura sustentável e políticas agroambientais, beneficiando produtores vulneráveis na região. Esses esforços alinham-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2 (Fome Zero) e 17 (Parcerias), consolidando o Brasil como líder em soluções replicáveis.

Como ítalo-brasileira, vejo um imenso potencial para aprofundar os laços entre Brasil e Itália no âmbito da FAO. A Itália, com sua tradição agrícola e papel central na sede da FAO em Roma, pode colaborar com o Brasil em intercâmbios técnicos – como na produção de queijos artesanais ou práticas de agricultura familiar – unindo o savoir-faire mediterrâneo à inovação tropical. Reforço que o direito à alimentação, previsto no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, exige parcerias multilaterais robustas. O Brasil prova que é possível: com políticas públicas integradas e vontade técnica, a fome pode ser vencida.

Que a parceria Brasil-FAO continue a inspirar o mundo, transformando desafios em oportunidades e garantindo que ninguém seja deixado para trás. Afinal, como diz o lema da FAO, fiat panis – que haja pão para todos.

*Por Renata Bueno, ex-parlamentar italiana e advogada internacional especializada em direitos humanos

Maximum file size: 500 MB