O plenário do Supremo Tribunal Federal deve dar continuidade nesta quinta-feira (10.04) à análise de seis recursos apresentados por ex-executivos do Grupo Odebrecht que questionam o momento em que deve ser aplicada a perda dos bens e valores relacionados à prática de crimes investigados na Operação Lava Jato.
Após os votos dos ministros Edson Fachin (relator), que negou os pedidos, e de Gilmar Mendes, que abriu divergência e votou para aceitar os recursos, o julgamento foi suspenso e deve ser retomado nesta quinta (10/04).
As defesas questionam decisões do relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, que determinou a perda imediata dos bens, que envolvem quantias depositadas em contas no exterior, imóveis e obras de arte. O argumento dos advogados é que a renúncia de bens e valores, prevista nos acordos de colaboração, deveria ser feita só depois de eventual condenação criminal e após esgotados todos os recursos (trânsito em julgado).
Os itens foram listados em acordos de colaboração premiada celebrados com o Ministério Público Federal e homologados pela então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em 2017.
Os recursos, que tramitam em sigilo, foram apresentados entre 2019 e 2021, nas Petições (Pets) 6455, 6477, 6487, 6490, 6491 e 6517.
Prevista na Lei da Lavagem de Dinheiro, a chamada pena de “perdimento de bens” estabelece a perda, em favor da União ou dos estados, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática de crimes. A medida foi adotada nos acordos de colaboração premiada fechados pelos executivos da companhia com o MPF.
Plenário virtual
Os recursos estavam sendo discutidos no plenário virtual, entre 2022 e fevereiro de 2025. Após o pedido de destaque do ministro Dias Toffoli, a análise do tema foi levada ao plenário presencial. Com isso, os votos foram zerados, podendo ser mantidos ou reapresentados na discussão presencial.
Voto do relator
O relator, ministro Edson Fachin, reiterou o voto que havia dado no plenário virtual para negar os recursos. Ele ressaltou que o acordo de colaboração premiada foi devidamente homologado, sem nenhuma irregularidade. Sustentou também que os colaboradores concordaram com as condições do acordo previamente, entre elas, o perdimento de bens e a recuperação do produto do crime.
“O acordo de colaboração premiada é um negócio jurídico processual entre as partes em que o colaborador renuncia o direito ao silêncio e à garantia de autoincriminação para colaborar com as investigações em troca dos prêmios previstos no acordo”, disse o ministro.
Ele destacou que os colaboradores reafirmaram ao Ministério Público Federal a voluntariedade em pactuar a colaboração premiada e devem cumprir com os compromissos firmados.
“Portanto, não podem agora invocar os princípios constitucionais do devido processo legal e da presunção de inocência a fim de não cumprir ou postergar o cumprimento das cláusulas estabelecidas no acordo de colaboração premiada”, enfatizou Fachin.
Ele destacou, ainda, que o magistrado apenas confere a validade do acordo, não podendo fazer juízo de valor ou ingerência sobre os termos negociados. Além disso, o relator considerou que não é possível concluir que a cláusula que estabelece a perda de bens deveria ser postergada até a sentença de condenação.
“Se revela inapropriada a intromissão judicial para elastecer os compromissos assumidos pelas partes”.
De acordo com o ministro, só nos processos que estão sob sua relatoria no âmbito da Lava Jato foram recuperados mais de R$ 2 bilhões, entre multas e perdimentos.
Divergência
O ministro Gilmar Mendes manteve a divergência aberta na sessão virtual e votou para dar provimento aos recursos. Ele considerou que há elementos que permitem questionar a voluntariedade dos investigados em fechar os acordos. Segundo o ministro, alguns casos envolvem pressões e coações, onde primeiro é oferecida a punição e, só depois, se busca provas da culpabilidade.
“Quando uma das partes negocia a sua liberdade e os seus bens num contexto de ameaça de prisão ou de submissão à sanções penais de natureza grave, nunca há uma posição de plena igualdade entre a acusação e defesa na celebração de negócios jurídicos, razão pela qual deve se ter cuidado com a utilização de uma lógica excessivamente civilista ou de plena e irrestrita liberdade contratual em um pacto que envolve o exercício do direito de punir”.
O ministro citou ainda irregularidades durante a Lava Jato como o conluio entre o então juiz Sérgio Moro e integrantes do Ministério Público, revelado pela operação Spoofing.
“Na qual foram evidenciados o uso abusivo e excessivo de prisões preventivas bem como de pressões e constrangimentos de todo o tipo para a assunção de culpa e celebração dos acordos”.
Gilmar Mendes também ressaltou que é preciso observar o princípio da presunção da inocência, que deve ser aplicado em todos os processos penais.
Afirmou, ainda, que determinar a perda de bens sem denúncia ou condenação seria como cruzar a “última fronteira que nos separa do Estado de Direito para o Estado Policial”. Citou que a maior parte dos ex-executivos em questão não foi condenada. Um deles teve uma das denúncias rejeitadas, outra recebida e há um terceiro caso em fase de recurso.