O britânico Paul Clements-Hunt, especialista em meio ambiente e sustentabilidade que cunhou o termo ESG (ambiental, social e governança), afirmou que o Brasil, com a colaboração do seu Judiciário, tem tudo para se destacar como um exemplo de país sustentável até 2032, servindo de exemplo para o mundo. Clements-Hunt foi um dos principais palestrantes da 1ª Conferência Internacional de Sustentabilidade do Judiciário, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça.
Com mais de 30 anos de experiência em sustentabilidade e estratégias climáticas, ele explicou que cita 2032 como referência pelo fato de ser quando a Rio 92 completará 40 anos. No evento da ONU realizado no Rio de Janeiro, pela primeira vez os países discutiram o meio ambiente do planeta.
“O Brasil pode atuar para mudar sua agenda de sustentabilidade como nenhum outro. E posso dizer aqui que vocês estão começando a partir de uma base extremamente sólida, que é o seu sistema de Justiça, porque aqui a sustentabilidade e os direitos humanos estão profundamente inseridos na Constituição Federal. Isso é uma vantagem, mas também consiste num grande desafio para o Judiciário em termos de sua execução. Sei que vocês não poderão mudar tudo, mas valerá muito a pena tentar”, afirmou.
Clements-Hunt explicou que criou o termo ESG, junto com sua equipe na ONU, de forma que o ‘S’ de social ficasse justamente no meio, para deixar claro que a área social precisa sempre ser protegida. “O conceito ESG não veio dos negócios, nem do sistema financeiro, veio da ONU. O nosso pensamento foi de que o social tem que ficar no meio sempre, porque a coisa mais difícil para os investidores, instituições e negócios é a parte social”.
“Então, por favor, coloquem sempre o social no meio, protejam isso, porque a falta de proteção no campo social foi o que foi observado no passado e que resultou em tudo o que aí está, em termos ambientais. E isso é muito perigoso. Proteger o social é a coisa mais difícil com a qual lidar quando falamos em questões relacionadas à sustentabilidade”, alertou.
Moeda de duas faces
O especialista afirmou que os juízes e advogados, por serem profissionais que lidam diariamente com o contencioso, têm pela frente uma moeda de duas faces, uma vez que é preciso, por um lado, lidar com os que entendem os riscos sistemáticos do meio ambiente e a destruição do planeta, mas também com os que possuem um olhar voltado para as oportunidades de investimento do século 21. “Sabemos que é preciso um olhar para esses dois fatores, mas para isso, o ESG, com o social no meio, é a ferramenta principal para inserirmos e chegarmos à sustentabilidade”, destacou.
Clements-Hunt citou fundos de pensão, fundos de seguro e fundos soberanos que estão passando a ter essa visão com foco em ESG. Disse que o conceito e as tragédias climáticas dos últimos anos mandaram um recado para essas empresas quanto à questão física financeira. “Vimos que se esses fundos e grandes empresas olharem para determinados riscos e para a sustentabilidade, estarão olhando também para novas formas de investimento”.
Ele enfatizou ainda que “hoje, o mercado precisa considerar riscos sociais e ambientais na maior parte dos investimentos, por se tratar de algo que está relacionado à questão fiduciária”. O que, ao seu ver, significa dizer que “questões como clima, ecossistemas, destruição, poluição, precisam ser levados em conta, assim como o lado social, com os direitos trabalhistas dos cidadãos”.
Transição global
O especialista afirmou que o Judiciário de qualquer país tem que estar no cerne de tudo isso, mas os países precisam se conscientizar de que o mundo precisa de uma transição do chamado capitalismo de extração para o de “regeneração”.
“Eu adoraria falar que a natureza tem um valor espiritual e que não dá para estipular um preço para ela, mas precisamos usar o retorno financeiro que seja possível obter com créditos de carbono e outras iniciativas para compensar o que foi extraído da natureza. Porque nós nos destruímos. E o Brasil tem um papel importantíssimo nas ações para consertar o planeta, sobretudo com a ajuda do seu Judiciário”.
Para o criador do conceito ESG, a iniciativa do Judiciário brasileiro de firmar um pacto para ampliar suas ações voltadas para a sustentabilidade não será simples. “Haverá grandes litigações, haverá grandes contenciosos, sim. Mas se o Judiciário não atuar, quem fará isso? É difícil a missão do Judiciário nesse processo, mas é essencial. E sabemos que o Brasil tem um sistema de Justiça com magistrados e advogados competentes para se debruçar sobre a questão”, concluiu.
Sustentabilidade é financiada
Outro palestrante convidado, o executivo Andrew Gilmour, diretor da Berghof Foundation e CEO da Laconic – primeira plataforma para gestão e intercâmbio de dados de carbono – afirmou que hoje a sustentabilidade tem que ser financiada. “Você pode achar que é sujo falar sobre dinheiro nesse caso, mas é um serviço do bem, que está salvando vidas e garantindo a equidade de todas as partes interessadas, sem falar no fato de estar usando essa estrutura única para puxar e conduzir mudanças de uma forma positiva”, disse.
Segundo ele, em relação à ESG, o acordo-chave é o Acordo de Paris que estabeleceu o comércio de carbono como padrão de fato, no sentido de mobilizar finanças para o desenvolvimento sustentável globalmente. Segundo Gilmour, o mundo tem uma lacuna de 99,7% de toneladas de carbono a serem negociadas.
“Precisamos fazer mudanças em relação ao que foi feito no passado e buscar eficiência, mas isso não vai ser suficiente. Temos que colocar um valor nos ativos naturais existentes em cada país. E isso significa mudar o script e inovar. Por sorte, no Brasil, podemos inovar estruturalmente, porque o Judiciário aqui pode ajudar a inibir fraudes no mercado de carbono, pode atuar nas ações contra especuladores e contribuir de maneira firme e relevante em relação ao restante do mundo em relação ao tema”, destacou.
Mudanças para os advogados
Para o advogado e ex-conselheiro do CNJ Luiz Cláudio Allemand, tudo o que está acontecendo no mundo, em especial na Europa, tem impactos diretos no país. E os advogados precisam ficar atentos a isso quando se trata do conceito de ESG.
Ele lembrou que a União Europeia vem criando várias diretivas para incentivar a economia dos seus países e uma delas tem como base a sustentabilidade corporativa. A regra foi aprovada pelo parlamento europeu em abril passado e começa a valer dentro de um ano. Estabelece que as empresas da Comunidade Europeia auditem suas atividades para prevenir, mitigar e eliminar violações de direitos humanos e ao meio ambiente, inclusive na sua cadeia de fornecimento.
“Em função dessa lei, as empresas terão de criar uma governança mais forte na análise da sua cadeia de suprimentos através de monitoramentos e pedidos de informações sobre conformidade com regras que garantam os direitos humanos e o meio ambiente. Não será uma tarefa fácil”, observou.
“ É toda uma mudança cultural que está prestes a ser feita, que vai gerar custo. Mas se soubermos trabalhar direito, vai gerar também novas oportunidades para todos. E garantir, para as empresas que adotarem corretamente essas regras, segurança para contratar seus fornecedores”, concluiu Allemand.