“No princípio era o ermo” ali em pleno cerrado. Sim, “eram antigas as solidões sem mágoa. No princípio era o agreste: o céu azul, a terra vermelho-pungente”, um convite sedutor para transformar o “o verde triste do cerrado”.
Vinícius de Morais, o poeta, escreve; Tom Jobim, o maestro soberano, cria as melodias – parte épica, outra parte intimista. Ambos se lançam a narrar com música e poesia o surgimento de uma cidade. Afinal, pedras constroem paredes, paredes constroem casas, casas formam ruas e ruas, cidades.
E uma cidade é pedra e gente.
Brasília, pedra, gente, poder, no planalto central, no coração do Brasil.
E, passados tantos anos, há muita gente e cada vez mais gente. Vieram de toda parte do país. Como canta Vinícius, “Sim, era o Homem/ Era finalmente, e definitivamente, o Homem./Viera para ficar. Tinha nos olhos/ A força de um propósito: permanecer, vencer as solidões/ E os horizontes, desbravar e criar, fundar/E erguer.”
Atendiam ao chamado de um visionário vindo das Gerais e que inscreve seu nome com apenas duas letras: JK. Juscelino faz da ideia de Brasília o símbolo de um projeto de país. Sim, a gente brasileira podia mais; podia ousar, criar, inovar, fazer e conquistar.
“Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo.
Para tanto, era necessário convocar todas as forças vivas da Nação, todos os homens que, com vontade de trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer, num tempo novo, um novo Tempo.
E, à grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra…”
Os candangos ficaram pés, mãos, cabeça, tronco e suor, muito suor. Com a melodia épica no tom de Tom, deram contornos ao texto de Vinícius e vida e forma a uma cidade inteira.
“Foi necessário muito mais que engenho, tenacidade e invenção. Foi necessário 1 milhão de metros cúbicos de concreto, e foram necessárias 100 mil toneladas de ferro redondo, e foram necessários milhares e milhares de sacos de cimento, e 500 mil metros cúbicos de areia, e 2 mil quilômetros de fios.
– E 1 milhão de metros cúbicos de brita foi necessário, e quatrocentos quilômetros de laminados, e toneladas e toneladas de madeira foram necessárias. E 60 mil operários! Foram necessários 60 mil trabalhadores vindos de todos os cantos da imensa pátria, sobretudo do Norte! 60 mil candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas…”
Passados 65 anos, tudo o que hoje a cidade espera é que seus administradores saibam honrar o ideal de seu projeto, fruto da inspirada iniciativa de um estadista; concebida por dois gênios da raça brasileira, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa; e contada por outros dois gênios da nossa gente, Tom e Vinícius.
A Sinfonia da Alvorada é constituída por cinco partes: I O Planalto Deserto; II O Homem; III A Chegada dos Candangos; IV O Trabalho e a Construção; V Coral. Foi gravada em novembro de 1960, no estúdio da Colúmbia, no Rio de Janeiro, mas só foi conhecida pelo grande público em 1966 , durante uma primeira audição na TV Excelsior de São Paulo.
Para ouvir a gravação original lançada em disco, acesse no YouTube:
Também no YouTube é possível vê-la e ouvi-la na versão instrumental da obra Jobim Sinfônico, com músicos da Osesp – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob a regência de Roberto Minczuk, em gravação na Sala São Paulo.
Jobim Sinfônico:
Jeffis Carvalho é jornalista, roteirista e editor de Cinema do Estado da Arte, do Estadão.
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