Pedro Rocha – O retrofit e a revitalização dos centros urbanos: desafios e oportunidades

Pedro Rocha Por Pedro Rocha
21 de março de 2025
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Pedro Rocha – O retrofit e a revitalização dos centros urbanos: desafios e oportunidades

A revitalização dos centros urbanos no Brasil busca aplicar, ainda que parcialmente, o conceito de “Cidade de 15 Minutos”, idealizado por Carlos Moreno, da Universidade Sorbonne. A proposta visa criar espaços onde seja possível morar, trabalhar e acessar cultura e lazer em até 15 minutos a pé ou de bicicleta, reduzindo a pegada de carbono e promovendo a mobilidade sustentável.

Nesse contexto, o retrofit surge como um mecanismo eficaz para ampliar a oferta de moradias de baixo custo em áreas centrais. Aplicado com sucesso na Europa e nos EUA, ele adapta edifícios antigos às novas demandas econômicas e urbanísticas. No Brasil, o retrofit é algo recente, tendo sido incorporado às legislações urbanísticas locais, conforme as competências previstas na Constituição Federal de 1988, bem como ao Estatuto da Cidade de 2001. 

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As normas locais definem os critérios para sua aplicação, permitindo modernização, requalificação e, em alguns casos, mudanças de uso e ampliações das áreas, sempre em conformidade com as diretrizes urbanísticas e de ocupação do solo. Frisa-se, ainda, que muitas dessas edificações possuem valor histórico ou cultural e podem estar sujeitas a regimes especiais de preservação.

Para ilustrar o potencial desse instrumento, imagine um edifício dos anos 1980 em uma área central, anteriormente ocupado por um banco e salas comerciais. Com o tempo, esses espaços tornaram-se obsoletos, deixando o prédio sem função econômica ou social. O retrofit permite adaptá-lo para “uso misto”, com comércio no térreo e moradias compactas nos andares superiores, promovendo habitação acessível e revitalização urbana. Trata-se de uma solução vantajosa tanto para os proprietários, que valorizam seus imóveis, quanto para a cidade, que ganha novas moradias.

Apesar da previsão em legislações municipais, o retrofit ainda tem baixa adesão no Brasil, devido a dois fatores principais: 1. entraves legais e financeiros, que equiparam retrofit a imóveis usados, tornando a construção nova mais vantajosa; 2. os efeitos da urbanização acelerada e desordenada resultam em edificações antigas sem regularidade urbanística, ambiental e registral, dificultando sua inclusão em projetos habitacionais.

Para enfrentar o primeiro dilema, a Caixa Econômica Federal anunciou, em 20 de fevereiro de 2025, no Seminário Internacional de Reurbanização e Retrofit (Sinduscon-SP), uma nova linha de crédito específica para projetos de retrofit, com recursos do FGTS e SBPE, oferecendo juros reduzidos para a revitalização de prédios antigos. A linha financia tanto a compra do terreno quanto a reforma, ampliando a aplicação antes restrita à aquisição do solo, além de antecipar até 50% dos valores, superando o limite de 10% das linhas tradicionais. 

Essa iniciativa impulsiona a produção habitacional e beneficia proprietários, construtoras e cidadãos que buscam moradias bem localizadas, reduzindo, assim, o déficit habitacional e fortalecendo o Direito à Cidade.

Para mitigar a segunda problemática, a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), prevista na Lei nº 13.465/2017 e no Decreto nº 9.310/2018, oferece uma base normativa para corrigir irregularidades em prédios inseridos em núcleos urbanos informais. A legislação permite que os municípios estabeleçam poligonais específicas para a aplicação da Reurb. No caso em estudo, esses prédios antigos são elegíveis para a Reurb de Interesse Específico (Reurb-E), que abrange imóveis não residenciais, industriais e comerciais, removendo barreiras que inviabilizam esses projetos.

O retrofit já é adotado com sucesso em cidades dos EUA e da Europa. No Brasil, há experiências bem-sucedidas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Esta última, inclusive, além dos benefícios urbanísticos e ambientais, concede incentivos tributários (IPTU, ISS e ITBI) e subsídios para modernizar edificações e aumentar a densidade no centro.

Por certo, o retrofit se mostra essencial para atrair moradias de baixo custo às áreas centrais, integrando moradia, comércio e serviços, e alinhando-se ao conceito de “Cidade de 15 Minutos” e à Agenda 2030.

Com instrumentos legais e financeiros disponíveis, cabe ao Poder Público e ao setor privado transformar os centros urbanos — hoje ativos apenas no horário comercial e, à noite, reduzidos a “territórios esquecidos”, sem vida comunitária que reflita o verdadeiro sentido de cidade — em um modelo de urbanismo sustentável e inclusivo.

Pedro Rocha é advogado urbanista, professor universitário, doutor em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

* Os textos dos artigos, colunas e análises são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do Hjur. 

 

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