Por maioria, o Supremo Tribunal Federal validou parcialmente a lei 14.946/13 do estado de São Paulo que prevê, entre outras penalidades, a cassação da inscrição no ICMS de empresas que vendem mercadorias produzidas com uso de trabalho escravo. O julgamento foi retomado com o voto do ministro Gilmar Mendes.
Na ação (ADI) 5465, a Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo alega que a norma viola garantias constitucionais e o devido processo legal, ao punir empresas e seus sócios sem exigir a comprovação de dolo ou culpa.
Os ministros reconheceram que a competência para a fiscalização de ocorrência de trabalho análogo à escravidão é da União.
O relator, ministro Nunes Marques, que votou pela validade da lei, foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux e pela ministra Cármen Lúcia. O ministro Dias Toffoli divergiu.
O plenário decidiu adotar interpretação dos artigos 1,2 e 4 da lei estadual conforme a Constituição.
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Exigir a comprovação em processo administrativo sob as garantias do contraditório e ampla defesa de que o sócio preposto do estabelecimento comercial sabia ou tinha como suspeitar do trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas.;
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E igualmente conferir interpretação ao artigo 4 da lei de modo a exigir também mediante o processo adequado de que o sócio a ser punido sabendo ou tendo como suspeitar da participação do trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas haja contribuído como comissiva ou omissivamente com a aquisição das mercadorias;
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Estabelecer prazo máximo de até dez anos para a cassação da inscrição estadual do ICMS.
Voto vista
Ao acompanhar o relator, o ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista, defendeu que a penalização das empresas pelo ente estadual deve ser necessariamente precedida da identificação da exploração de trabalho em condições análogas à escravidão pelos órgãos federais competentes. E que a execução dessa inspeção é privativa da União.
Além disso, Gilmar Mendes destacou a preocupação de penalizar contribuintes que, eventualmente, comercializaram produtos com origem ilícita, sem ter conhecimento disso. O ministro enfatizou que, para que haja a penalização, deve ficar comprovado que o comerciante sabia ou tinha motivos para suspeitar do uso de trabalho escravo na produção dos produtos.
Voto do relator
O relator, ministro Nunes Marques, reafirmou o entendimento que já havia manifestado em sessão virtual. Ele acolheu parcialmente o pedido, conferindo interpretação conforme a Constituição, para que a penalidade seja aplicada mediante comprovação de dolo ou culpa, tanto das empresas quanto de seus sócios.
Marques também votou para que a sanção, prevista na lei, só possa ser aplicada se for comprovado, em processo administrativo, com contraditório e ampla defesa, que o comerciante tinha ciência ou deveria suspeitar da origem espúria das mercadorias adquiridas.
O relator ressaltou que a prática do trabalho em condições análogas à escravidão ainda persiste no Brasil, especialmente no setor rural e na construção civil. E afastou o argumento da CNC de que a norma invadiu competência legislativa da União ou criou um tribunal de exceção.
Divergência
Já o ministro Dias Toffoli abriu divergência por entender que o estado de São Paulo invadiu competência da União ao estabelecer normas de fiscalização e punição para empresas envolvidas com trabalho escravo.
Situação alarmante
Ao acompanhar o relator, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que o trabalho escravo ainda é uma realidade alarmante no país. Ele afirmou que, apenas em 2024, mais de dois mil trabalhadores em situação análoga à escravidão foram resgatados no Brasil.
O ministro lembrou que São Paulo é um dos líderes do preocupante ranking, com 467 casos, ficando atrás apenas de Minas Gerais. Por isso, a lei estadual representou um marco contra a prática ilegal e foi usada como modelo por outros estados, como Mato Grosso, Paraíba, Bahia, Amazonas e Goiás.
“Daí a minha preocupação em preservar esta lei, porque foi um modelo de sucesso replicado em outros estados da Federação”, afirmou.
Para o ministro, a legislação de São Paulo não impõe dever à União, apenas prevê punição administrativa de empresas identificadas previamente pelos órgãos de fiscalização do trabalho. “Se o órgão federal na sua inspeção identificar que houve trabalho escravo, aí subsequentemente é que o Estado instaurará o seu procedimento”, explicou.