Por unanimidade, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quinta-feira (03/10), que a multa aplicada pela Receita Federal por sonegação fiscal, fraude ou conluio deve limitar-se a 100% do débito tributário, podendo ser de até 150% em caso de reincidência. A tese vale para autuações a partir de 20 de setembro de 2023, quando entrou em vigor a lei 14.689/23.
A decisão ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 736090, que questionava um acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região validando multa de 150%, nos termos da Lei 9.430/1996. A alegação é que o patamar da cobrança era muito alto e que teria um caráter de confisco, o que é proibido pela Constituição Federal.
Primeiro a votar , o relator, ministro Dias Toffoli, deu provimento parcial ao recurso para reduzir a multa qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio para 100% do débito tributário, restabelecendo os ônus sucumbenciais fixados na sentença.
O ministro argumentou que, ao observar o teto, a penalidade da multa deve ser graduada de acordo com a individualização da conduta do agente. “Em razão da razoabilidade e da proporcionalidade, é preciso graduar a multa de 150% à luz de cada caso concreto. Ou seja, no meu entender, não basta que a multa em discussão observe o teto de 150%, é necessário que ela seja graduada dentro desse patamar, levando-se em conta a individualização da conduta do agente, pode ser feita à luz de diversos critérios”.
A tese apresentada por Toffoli tem repercussão geral e foi seguida pelo plenário.
“Até que seja editada lei federal sobre a matéria, a multa tributária qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio limita-se a 100% do débito, podendo ser de até 150% (cento e cinquenta por cento) do débito tributário caso se verifique a reincidência definida no art. 44, § 1º-A, da lei 9.430/96, incluído pela lei 14.689/23”. Passando a surtir efeito a partir da edição da lei 14.689/23, mantidos os patamares atualmente fixados pelos entes federados até os limites da tese e até que sobrevenha lei federal. Ressalvadas as ações judiciais e processos administrativos pendentes de conclusão até a referida data.
Votos
O ministro Flávio Dino considerou que é falsa essa ideia de que multa deve ser interpretada à luz da causa constitucional da vedação do uso do tributo com efeito de confisco. O ministro reforçou que multa não é tributo. “Nem é uma multa ineficaz, uma multa que seria compensatória para a licitude, uma vez que isso é muito danoso e antipedagógico e inclusive à vista do princípio da livre concorrência, uma vez que uma multa de pequeno valor vai estimular o esperto e desestimular o bom empreendedor”.
André Mendonça defendeu que não deve haver natureza confiscatória nas multas.
Ao acompanhar o relator, Alexandre de Moraes destacou que o país tem um grande problema de sonegação fiscal. Disse que “a legislação é feita para incentivar a sonegação fiscal , principalmente a legislação penal. Cada alteração privilegia mais ainda o sonegador. Aquele que paga os tributos em dia, que leva a sério, tem os custos maiores. Enquanto o sonegador, ele vai atrasando durante o inquérito, durante a denúncia. O país está se dando mal e ele está se dando bem”.
Caso concreto
No caso concreto, um posto de combustível localizado em Camboriú, em Santa Catarina, foi multado pela Receita Federal no percentual de 150% sobre o valor que ele devia, por entender que houve separação de empresas de um mesmo grupo econômico, com finalidade de não pagar impostos, o que configura sonegação.
Sustentações orais
O caso começou a ser analisado no plenário virtual e passou ao físico em 5 de setembro, após pedido de destaque do ministro Flávio Dino, quando foi apresentado o parecer do relator e as sustentações orais.
A procuradora da Fazenda Nacional, Luciana Miranda Moreira, defendeu o percentual da multa, de 150%, pela gravidade dos delitos. Ela afirmou que se trata de “sonegação, conluio e fraude”. A multa em discussão nesse processo diz respeito às infrações mais graves, mais perniciosas no âmbito da administração tributária. E que não trazem apenas danos ao Fisco, mas também ao contribuinte”.
Já Breno Ferreira Vasconcelos, que representou a Associação Brasileira de Advocacia Tributária, criticou os percentuais das multas qualificadas, que são aplicadas em caso de sonegação fiscal, por exemplo. Afirmou que quando as multas são muito baixas, perdem a razão de existir. mas quando muito altas, além de resvalar no limite constitucional, também estimulam o que chamou de sanha arrecadatória,
Repercussão geral
Em outubro de 2015, o STF reconheceu a repercussão geral do tema, no qual se discute se a multa de 150% aplicada pela Receita Federal em razão de sonegação, fraude ou conluio tem caráter confiscatório.
“Cabe a esta Corte, portanto, em atenção ao princípio da segurança jurídica e tendo em vista a necessidade de concretização da norma constitucional que veda o confisco na seara tributária, fixar, no regime da repercussão geral, as balizas para a aferição da existência de efeito confiscatório na aplicação de multas fiscais qualificadas”, afirmou o relator do recurso, ministro Luiz Fux. Em sua manifestação, entendeu que a questão tem natureza constitucional relevante dos pontos de vista econômico e jurídico que transcende os interesses das partes envolvidas, “pois alcança potencialmente todos os entes federativos e contribuintes”.