Da Redação
O Superior Tribunal Militar (STM) decidiu na semana passada que apenas lei formal pode alterar a composição dos Conselhos de Justiça da Justiça Militar da União, derrubando uma iniciativa pioneira que estabelecia critérios de paridade de gênero na formação desses órgãos colegiados. Desse modo, o STM anulou sorteios que reservaram vagas para oficiais mulheres, alegando ausência de amparo legal.
A controvérsia teve início quando a 2ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar, localizada em Bagé (RS), adotou medidas para garantir a participação feminina nos Conselhos, reservando duas vagas para oficiais do sexo feminino nos sorteios realizados em janeiro de 2025. A decisão seguia recomendações da Corregedoria da Justiça Militar da União e protocolos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Embate entre legalidade e igualdade
O Ministério Público Militar (MPM) contestou a medida através de correição parcial, argumentando que não havia fundamento legal para a alteração. Segundo o MPM, mudanças dessa natureza só poderiam ocorrer por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional.
A Defensoria Pública da União assumiu posição contrária, defendendo que a garantia de participação feminina nos Conselhos não violava o princípio da legalidade, mas concretizava normas constitucionais e tratados internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).
Para a DPU, a baixa presença feminina na Justiça Militar justificava medidas que assegurassem maior pluralidade de visões nos julgamentos, considerando que a igualdade material exige ações estatais para corrigir desigualdades históricas e estruturais.
Decisão por maioria
O Plenário do STM, por maioria, acolheu os argumentos do MPM e determinou que apenas lei pode modificar a composição dos Conselhos de Justiça. A Corte orientou que fossem refeitos os sorteios que adotaram critérios diversos do previsto no artigo 18 da Lei de Organização da Justiça Militar (LOJM).
O relator, ministro Odilson Sampaio Benzi, reconheceu a relevância da promoção da igualdade de gênero no Judiciário, mas sustentou que alterações dessa natureza exigem lei formal. “Ainda que as causas defendidas sejam legítimas e bem-intencionadas, cortes de justiça não podem ‘atropelar’ a legislação vigente e assumir papel legislativo, sob pena de comprometer a independência entre os poderes”, afirmou.
Benzi destacou que há um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre paridade de gênero no Tribunal do Júri e que, até sua aprovação, não há respaldo legal para aplicar o mesmo modelo nos Conselhos de Justiça.
Votos divergentes e polêmica
A ministra Safira Maria de Figueiredo apresentou voto divergente, deferindo a correição e mantendo a decisão original de Bagé. Ela baseou-se nas Resoluções nº 255 e nº 492 do CNJ e nas orientações da Corregedoria da Justiça Militar da União.
A presidente do STM, ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, não participou do julgamento, mas emitiu nota manifestando posicionamento divergente da maioria. Ela defendeu que “a paridade de gênero nos Conselhos de Justiça não representa inovação legislativa, mas a efetivação do princípio constitucional da igualdade e dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”.
A decisão do STM reacende o debate sobre os limites entre a aplicação de políticas de igualdade de gênero e os requisitos legais formais no Judiciário, evidenciando as tensões entre a busca por maior representatividade e os princípios da legalidade estrita e separação dos poderes.