No julgamento da chamada ADPF das Favelas (ADPF) 635, que questiona a letalidade e o desrespeito aos direitos humanos nas operações policiais no Rio de Janeiro, no plenário do Supremos Tribunal Federal, o relator, ministro Edson Fachin, destacou que a discussão envolve processo estrutural de alta complexidade e que é preciso regular o uso da força policial. Para o ministro, a atuação violenta e a brutalidade do Estado ferem direitos e não garantem resultados positivos. O julgamento marcou a retomada dos trabalhos no plenário físico do STF.
“Ainda que fosse comprovada a eficácia da atuação letal das forças policiais para a redução da criminalidade, essa seria uma opção inconstitucional e incompatível com o ordenamento jurídico pátrio e com o direito internacional dos direitos humanos”, afirmou Fachin.
O ministro rebateu a alegação de autoridades do Rio de Janeiro de que a criminalidade na região aumentou depois das decisões do STF.
“Imputar problemas crônicos e de origem anterior à presente arguição às medidas determinadas por esta Corte consiste não apenas em grave equívoco, mas também em inverdade”, afirmou.
A chamada ADPF das Favelas trata da adoção de um plano para reduzir as mortes nas operações policiais realizadas em comunidades do Rio de Janeiro. Autor da ação, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), destacou que a política de segurança pública local, “em vez de buscar prevenir mortes e conflitos armados, incentiva a letalidade da atuação dos órgãos policiais”.
Desde 2019, quando a ação foi apresentada, o STF fez diversas determinações em decisões liminares. Entre elas, estão a suspensão, durante a pandemia, em junho de 2020, das operações policiais em comunidades do Rio. Fachin também determinou a instalação de câmeras nas fardas e equipamentos de GPS de policiais, além da gravação em áudio e vídeo nas viaturas, inclusive para as unidades de operações especiais da Polícia Militar (Bope) e da Polícia Civil (Core).
Em agosto de 2020, uma nova liminar do STF restringiu o uso de helicópteros apenas para casos de estrita necessidade, já que a Justiça considerou que as aeronaves estavam sendo usadas como plataformas de tiro.
No julgamento desta quarta-feira, Fachin reconheceu os esforços de policiais e as ações coletivas adotadas nos últimos 12 meses, com relevante redução do número de mortes após a implementação das medidas cautelares pelo Supremo.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública, em 2023, foram registradas 871 mortes por intervenção de agentes do Estado – o menor patamar do RJ desde 2015. São quase 1000 óbitos a menos do que em 2019, quando a ação chegou ao Supremo. O número de policiais mortos em serviço também caiu de 22, em 2019, para 11, em 2023.
No entanto, Fachin alertou que, apesar da queda dos números, a situação do Rio de Janeiro é preocupante.
“ Não se está a dizer que a situação da segurança pública do Rio é adequada, bem ao contrário. Todos temos notícias da gravidade e complexidade.
E reforçou que “esse julgamento é uma oportunidade de reconhecimento de uma injusta discriminação histórica que vitima milhões de pessoas residentes nas comunidades do Rio de Janeiro.”
O relator fez um resumo do voto, que tem 180 páginas. Ele elencou uma série de medidas que visam garantir mais transparência e publidade de dados, maior acompanhamento por meio da sociedade civl e maior controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. As propostas serão analisadas pelo plenário em até um mês.
Ao se manifestar no julgamento desta quarta-feira, o ministro Flávio Dino ressaltou que os números apresentados pelo relator garantem a redução da violência.
“ É absolutamente falso que a polícia que mata mais é mais eficiente”.
O ministro Gilmar Mendes ressaltou a gravidade da situação e sugeriu que o Supremo discutisse não só os sintomas, mas também as causas do problema.
“ O fato de existirem territórios ocupados é de uma gravidade sem tamanho”.
O ministro Luís Roberto Barroso também demonstrou preocupação com a naturalização do crime organizado.“Um absurdo a inversão dos valores civilizatórios que nós precisamos defender”.
Já o ministro Alexandre de Moraes ponderou que não se pode romantizar o problema e defendeu que o STF decida o tema com cautela para corrigir abusos, mas não passe a mensagem “de que a polícia não pode ingressar fortemente armada” nos territórios.
“É necessário para os policiais, que eles não sejam mortos, que entrem com a força máxima”.