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A velha política sai vitoriosa… mais uma vez

Jeffis Carvalho Por Jeffis Carvalho
29 de outubro de 2024
no Artigo, Direito à Arte
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A velha política sai vitoriosa… mais uma vez

Concluído o segundo turno das eleições municipais de 2024, a pergunta que todos se fazem é quem venceu e quem perdeu com os resultados. À primeira vista, a resposta é a mais simples possível: os vencedores, claro, são os candidatos eleitos; e os perdedores, óbvio, seus contendores que foram derrotados nas urnas. Mas, claro, nada na vida é simples assim. Muito pelo contrário.  Os resultados de uma eleição – majoritária para prefeitos; proporcional para vereadores – trazem muito mais: ela serve como termômetro do sentimento que toma conta do cidadão que é chamado a votar e escolher aquele que vai administrar a sua cidade e os que comporão o legislativo municipal em seu nome.

Quando deposita o seu voto na urna, cada eleitor faz mais do que escolher candidatos. Eles e elas manifestam, por meio dos escolhidos, seus desejos, valores, anseios, expectativas e, principalmente, seus vereditos sobre o estado da política. Com o encerramento da eleição municipal no último domingo, dia do segundo turno, já podemos – e sempre correndo o risco de erros de avaliação – apostar que a velha e cansada política brasileira de sempre sai vitoriosa mais uma vez.  

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Mas outras conclusões podem ser tiradas das urnas. Vamos a algumas delas.

A primeira vitoriosa é a instituição da reeleição. A maioria dos incumbentes que tentaram um novo mandato saiu vencedora. Isso quer dizer que, ao se ver diante da escolha entre o atual prefeito ou o voto de confiança no novo, o eleitor prefere apostar no que ele considera o risco menor,  ou seja, o que já é conhecido.

Ao mesmo tempo, contribuindo para esse quadro de reeleições, temos outro grande vencedor no pleito deste ano: o orçamento secreto. Sim, elas, as já famosas emendas parlamentares,  que a partir de 2020 cresceram tremendamente, abocanhando parte do Orçamento do governo federal – e, lembre-se sempre, a gestão do Orçamento é uma prerrogativa do Executivo, não do Legislativo. Esta, inclusive, talvez seja a mais nefasta das heranças malditas do governo de Bolsonaro, que ameaçado pela possibilidade de ser julgado no Congresso pelos seus desmandos, cedeu tudo e mais um pouco para assegurar apoio na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

A outra grande vitoriosa em 2024 é a abstenção. Só em São Paulo, a maior cidade do país, nada menos que um terço dos eleitores não compareceu às seções eleitorais no segundo turno. Com 31%, temos a maior taxa de ausência desde a redemocratização. É muito!

Apuradas as urnas, a centro-direita – ou como muitos analistas preferem – a dita direita moderada – emerge como grupo político vencedor em 2024. Entre as várias razões para essa vitória, o cientista político Carlos Pereira, em coluna no Estadão de ontem, destaca que ela se dá como “consequência da melhor compreensão das demandas da  sociedade brasileira por pragmatismo, política local, menos ideologia e vontade de empreender”. Aliás, uma tese que explica, também, em parte, a ascensão de tipos como Pablo Marçal, no primeiro turno na capital paulista; assim como os equívocos de Bolsonaro em radicalizar a sua já extremada antipolítica; e, principalmente, a derrota da esquerda.

Por isso mesmo, entre os partidos de centro, os dois maiores vencedores são o PSD, articulado por Gilberto Kassab; e o MDB, que pela primeira vez conquistou a prefeitura de São Paulo pelo voto direto. O partido de Kassab conseguiu tirar a liderança de anos do MDB no número de cidades em que elegeu o prefeito, com 887; o MDB ficou com 854 prefeituras.

As derrotas

A primeira derrotada em 2024 é mesmo a tentativa de levar para os palanques municipais – paroquiais na origem – a chamada polarização nacional entre Lula e Bolsonaro. O que se pode concluir é que os principais candidatos apoiados por ambos foram derrotados. Em Fortaleza, André Fernandes, do PL, perdeu para Evandro Leitão, do PT; e em São Paulo, Guilherme Boulos, do PSOL –  com Marta Suplicy, do PT, como vice – perdeu para o prefeito  Ricardo Nunes, do MDB. Em Fortaleza pesou mais o engajamento do ex-governador e atual ministro da Educação, Camilo Santana; e em São Paulo o apoio decisivo – e desde o início – do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à reeleição de Nunes.

O ex-presidente apadrinhou 25 candidatos no segundo turno e conseguiu eleger apenas sete. E, mesmo assim, apenas dois podem se dizer realmente identificados com a extrema direita representada pelo bolsonarismo: os prefeitos eleitos em Cuiabá e Aracaju. No seu próprio campo, Bolsonaro amargou, também, a derrota em Goiânia para o candidato apoiado pelo governador Ronaldo Caiado; e no Paraná foi enquadrado pelo governador Ratinho Jr. que venceu em Curitiba com Eduardo Pimentel – aliás, mais uma vitória do PSD de Kassab.

Já o presidente Lula acabou desmistificando a sua então cantada transferência de votos e nada demonstra isso melhor do que o desempenho de Boulos, que ao final manteve o mesmo índice de votos que havia conquistado em 2020 quando foi derrotado também no segundo turno por Bruno Covas (PSDB).

Como sempre se diz, eleição municipal não é antecipação da eleição presidencial. Mas se quiser manter o governo federal, a esquerda vai ter mesmo que se reinventar. Vai precisar, mais do que nunca, de alianças mais ao centro; vai ter que abandonar dogmas e ideias envelhecidas de luta  de classes; vai precisar entender e atuar com sua característica principal, qual seja a de ser universalista, pondo de lado a aposta em pautas identitárias; precisa compreender e, mais ainda, aceitar que o mundo do trabalho mudou e que o empreendedorismo não é só um modismo. E, mais do que nunca, terá que aprender com os seus erros, o que só será possível quando  se desvencilhar de suas eternas, e cômodas,  fantasias conspiratórias.

Para a esquerda democrática a tarefa não será nada fácil. Afinal, não adianta mais, como vi em muitos grupos de WhatsApp no final da apuração de domingo, os esquerdistas argumentando que o problema é o povo que não sabe o que faz, não aprendeu, precisa ser educado para a coisa certa. Mesmo porque o povo que aí está é o nosso e não podemos trocar, o que, aliás, de antemão sabemos ser algo não só inútil, como completamente impossível.  

Jeffis Carvalho é jornalista, roteirista, e editor de Cinema do Estado da Arte, do Estadão. 

* Os textos das análises e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do Hjur. 

 

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