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A Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a apuração de movimentações cambiais bilionárias realizadas pouco antes do anúncio de tarifas de 50% contra produtos brasileiros feito pelo presidente dos EUA, Donald Trump. A suspeita é de possível uso de informação privilegiada — o chamado insider trading — que teria gerado lucros milionários em poucas horas.
Operações atípicas antes do tarifaço
A medida da AGU foi motivada por uma reportagem exibida pelo Jornal Nacional, da TV Globo, que revelou movimentações anormais no mercado de câmbio no dia 9 de julho. Às vésperas do anúncio das tarifas por Trump, ordens de compra entre US$ 3 e US$ 4 bilhões foram executadas com o dólar a R$ 5,46.
Pouco após o anúncio, às 16h17, as mesmas quantias foram vendidas a cerca de R$ 5,60, gerando lucro imediato. A sequência sugere uma aposta contra o real baseada em conhecimento antecipado das medidas tarifárias.
Ligação com inquérito contra Eduardo Bolsonaro
O pedido foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que investiga o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), nos EUA desde o início do ano. A investigação já apura se Eduardo atuou para constranger o Judiciário brasileiro com apoio externo.
Segundo a AGU, os novos indícios ampliam a dimensão da apuração: “À luz dos fatos noticiados, podemos inferir que os fatos já em apuração neste inquérito […] também envolvem possíveis ganhos financeiros ilícitos”, afirmou o órgão em nota.
Investigação complexa e multidisciplinar
A AGU também comunicou a Procuradoria-Geral da República (PGR) e recomendou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que adote medidas imediatas. O órgão destacou que, além da esfera penal, o uso de informação privilegiada pode acarretar responsabilidade civil e administrativa.
Pedro Ros, CEO da Referência Capital, afirmou ao Globo que “o uso de informação privilegiada não se limita ao mercado de ações”. Segundo ele, o mercado de câmbio, embora mais difícil de manipular, também é monitorado por Banco Central, Receita Federal, Coaf e CVM.
Provar o acesso privilegiado é o desafio
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que, embora as transações sejam rastreáveis, o maior desafio é provar que houve uso prévio e indevido da informação.
Mary Elbe Queiroz, do Cenapret, concorda com a tese: “A dificuldade está em comprovar a origem privilegiada da informação”. Para ela, a existência de acordos internacionais pode ajudar a rastrear os responsáveis.
Ceticismo no mercado
Apesar das suspeitas, nem todos concordam com a hipótese de crime. Pedro Tremacoldi-Rossi, professor de finanças na Universidade de Columbia, afirmou ao Globo que “um só operador não consegue grandes movimentos nesse mercado”. Segundo ele, o volume de negociações impede manipulações por poucos agentes.
Tremacoldi-Rossi também destacou que Trump já havia sinalizado medidas contra o Brasil horas antes do anúncio oficial. “O mercado leu aquilo como um aviso”, disse. O professor observou ainda que ações brasileiras negociadas nos EUA, como as ADRs da Embraer e o índice EWZ, também sofreram oscilação, indicando um movimento coletivo.
O papel de Eduardo e a pressão sobre a Casa Branca
Eduardo Bolsonaro tem atuado nos EUA para influenciar decisões políticas e comerciais. A suspeita da AGU é que sua movimentação possa ter colaborado para antecipar informações a investidores ligados ao seu círculo político.
Caso a relação entre as operações cambiais e informações privilegiadas se confirme, o caso pode abrir um novo flanco no inquérito, com potencial repercussão internacional. A CVM ainda não se pronunciou oficialmente, assim como o Banco Central.