Julgadas em diversas instâncias, durante o ano de 2024, ações relativas às relações de trabalho entre motoristas de aplicativos e as plataformas de transporte, como a Uber e 99, ainda não tiveram um direcionamento definido pelo Supremo Tribunal Federal. O tema já chegou ao STF, que deve julgar, em 2025, com repercussão geral, se há vínculo empregatício entre as duas partes.
Os conflitos entre os motoristas e as plataformas viraram processos em diversas instâncias e nos mais altos tribunais da Justiça. Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no país 1,5 milhão de pessoas que trabalham por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços. A quantidade equivale a 1,7% de todo o setor privado.
Em agosto, a ministra Liana Chaib, da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, relatora de uma ação, reconheceu a relação empregatícia entre uma motorista e a 99. O recurso foi aceito pelo TST após ter sido negado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (interior de São Paulo).
No Superior Tribunal de Justiça, em outra ação mais recente, a 3ª Turma deu provimento ao Recurso Especial (nº 2.144.902) para reconhecer a natureza civil da relação entre um motorista e a plataforma de transporte Uber. O motorista entrou com a ação após ter sido descredenciado da empresa de tecnologia.
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o entendimento foi que a competência da ação era da Justiça do Trabalho. O motorista recorreu da decisão e, no STJ, foi decidido que o caso deveria ser tratado na Justiça comum.
O conflito sobre o reconhecimento de vínculo entre as empresas e os motoristas de aplicativos chegou ao STF por meio do Recurso Extraordinário nº 1446336, após o TST reconhecer a existência de vínculo empregatício. A Corte trabalhista entendeu que esse tipo de empresa deve ser considerada uma empresa de transporte e não uma plataforma digital.
Devido ao impacto social e econômico, o ministro relator da ação, Edson Fachin, convocou uma audiência pública, realizada nos dias 09 e 10 de dezembro, para ouvir motoristas, as empresas, entidades e pesquisadores sobre o tema. Nos dois dias, mais de 50 expositores, entre especialistas, pesquisadores e representantes de entidades, apresentaram informações técnicas e diferentes perspectivas sobre a temática.
A audiência teve como foco discussões sobre a precarização do trabalho em plataformas digitais, dependência dos motoristas em relação às plataformas e os impactos dessas tecnologias nas relações de trabalho.
Caroline Perônio Arioli, diretora jurídica da Uber no Brasil, defendeu no encontro que os motoristas têm liberdade para escolher quando e onde trabalhar, o que não se alinha às obrigações de vínculo empregatício previstas na CLT. Segundo ela, a Uber propõe o aperfeiçoamento da regulação para priorizar a proteção previdenciária e social dos motoristas, sem comprometer a livre iniciativa ou a flexibilidade do modelo de negócio.
A diretora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Adriana Marcolino, frisou que trabalhadores de plataformas digitais enfrentam jornadas semanais mais longas e contribuem menos com a Previdência Social, em comparação aos empregados do setor privado tradicional. Em sua avaliação, existe ainda uma alta dependência dos motoristas em relação aos aplicativos, especialmente pelos algoritmos.
Na avaliação acadêmica, Gabriela Neves Delgado, professora associada de Direito do Trabalho dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UnB, defendeu que a plataforma digital é prestadora direta da atividade de transporte e não uma intermediadora de serviços. Segundo Delgado, as empresas têm responsabilidade em cumprir deveres legais mínimos, como obrigações previdenciárias, tributárias e de transparência.
Na mesma linha, Roseli Aparecida Figaro, da Universidade de São Paulo (USP) apontou que as empresas exploram os trabalhadores e coletam dados das cidades e dos usuários, com isso, usam as informações como ativos para valorizar o mercado. Segundo a pesquisadora, essas empresas recorrem à Constituição para reivindicar segurança jurídica e benefícios, mas não para assegurar direitos aos trabalhadores.