Logo na primeira página somos informados que se vai ler a história de como nasce a infelicidade e ela nos é contada por Luigi Bellandi, , um homem adulto que mergulha no passado, o verão de 1972. Naquele ano ele é mais conhecido como Gigio, “doze anos e quatro meses, promovido ao Distico no terceiro ano do ensino fundamental, torcedor da Juve, Bitossi e Ferrari, além de fanático por todos os outros esportes, mesmo sem praticar nenhum, manso, passivo e, em geral, pouco empreendedor”.
Banhado pelo mar e a luz do verão, o que vamos compreendendo é que há, de fato, a expectativa de catástrofe que paira sobre essa aparente e doce nostalgia. E 72 não foi um ano qualquer, afinal o mundo foi assombrado pelo surgimento de uma ameaça que nos ronda há mais de cinquenta anos. Naquele verão europeu, pela TV, Gigio assiste aos Jogos Olímpicos e vê, ao vivo, as notícias do massacre de 5 de setembro na Vila Olímpica de Munique pelo grupo terrorista Setembro Negro e disso se extrai o primeiro significado do título do romance.
Setembro Negro é o mais novo romance do italiano Sandro Veronesi, um dos grandes escritores da atualidade que no ano passado fez grande sucesso no Brasil com O Colibri, seu livro anterior. Em sua mais recente obra, Veronesi se mostra mais uma vez “um dos mais habilidosos e profundos contadores de histórias”, na feliz definição do também escritor italiano Domenico Starnone, autor de Laços.

Sandro Veronesi (divulgação, por Marco Delogu)
Ambientado na Toscana, Setembro Negro aborda o amadurecimento precoce diante das primeiras perdas significativas.As descobertas de Gigio sobre música, leitura, desejo e amor são interrompidas por um evento inesperado que impacta a vida privada dos Bellandi. Algo que ainda não se transformou em tragédia. Envolveria o barco do pai?, talvez os pretendentes da mãe?, ou, ainda, a vermelhidão da irmã? Quem sabe a proximidade a proximidade com os Raimondi, o silêncio que reina na casa grande de Astel? Veronesi dá ao leitor pistas falsas pela praia e pare e nos dizer que devemos ficar atentos com leitores, porque a combinação de verão e primeiro amor cega a todos, dentro e fora das páginas. “Por isso, pensei que me desnudar com uma história verdadeiramente sincera, honesta e escrupulosa poderia me ajudar finalmente a ir além daquela pergunta: eu seria capaz de mudar o curso dos acontecimentos? Tudo o que preciso é de uma sílaba: sim. Ou: não. E finalmente ver o que está por trás disso”, escreve o autor pela boca de Gigio.
Como analisou o crítico italiano Nicola H. Cosentino, “para começar, é um dos poucos livros de Veronesi escritos no passado, e talvez o único ambientado inteiramente em memórias. E, além disso, é um gênero em si mesmo. “Como qualquer bom livro”, alguém poderia comentar, pensando em excelentes autores de romances sempre diferentes e sempre sem rótulos, como Kazuo Ishiguro ou Thomas Pynchon, que para Veronesi é um modelo declarado. Não, aqui a questão da definição é mais concreta: Setembro Negro se lê como uma história policial, mesmo sem as características formais. É, portanto, um mistério em que se espera não pela resolução, mas pelo gatilho, não para descobrir o culpado, mas a natureza do crime. O que aconteceu com Gigio e sua família? Quando explodirá a bomba que ouvimos desde o início? A resposta à segunda pergunta é: muito tarde, quase nos agradecimentos. Porque era isso que o autor queria: escrever um romance de espera, de pura tensão; para ver o quanto e como um thriller sem cabeça consegue avançar”.
Setembro Negro
Sandro Veronesi
Autêntica Contemporânea
278 págs., R$ 70,00