Processos referentes a pretensões e reclamações trabalhistas relacionados ao trabalho análogo à escravidão são imprescritíveis. Por isso, podem ser levados à Justiça a qualquer tempo, mesmo passado o prazo normal de reclamações e ajuizamento de ações. Mediante essa jurisprudência, o Tribunal Superior do Trabalho determinou que uma ação retorne ao primeiro grau e passe a tramitar normalmente. O julgamento foi realizado pela 6ª Turma, no Recurso de Revista (RR) Nº 24796-34.2019.5.24.0022.
A ação foi movida por um trabalhador submetido a condições análogas à escravidão na Fazenda São Lourenço, em Dourados (MS). A reclamação trabalhista havia sido extinta nas instâncias anteriores por ter sido apresentada mais de seis anos depois do resgate do trabalhador.
No caso em questão, o trabalhador rural foi admitido na fazenda em novembro de 2003, com remuneração de um salário mínimo e promessa de comida e moradia. Mas, segundo ele, a fazenda deixou de fornecer água potável, energia elétrica, moradia digna e alimentação adequada, obrigando-o a beber a água do mesmo açude utilizado pelo gado.
A casa, conforme relatou o autor da ação, tinha portas e janelas quebradas, sem proteção para chuva, insetos, frio e demais intempéries. Além disso, sua jornada começava às 5 h e terminava às 23 h, porque era o único funcionário do local e precisava “cuidar do gado, fazer cerca, domar cavalo bravo, bater ração, aplicar veneno e conduzir tratores, de domingo a domingo”.
A partir de abril de 2008, o fazendeiro deixou de pagar o salário e as demais obrigações e passou a fornecer somente arroz para alimentação. Também impedia o trabalhador de sair da fazenda, ameaçando-o de morte. Ele somente foi resgatado em abril de 2013, durante inspeção feita no local por auditores-fiscais do trabalho e membros do Ministério Público do Trabalho. O proprietário da fazenda foi denunciado e responde a um processo criminal na Justiça Federal.
Mas como a reclamação trabalhista foi apresentada em agosto de 2019, o juízo de primeiro grau extinguiu o processo em razão da prescrição. De acordo com a sentença, a ação teria de ter sido ajuizada até abril de 2015. O mesmo entendimento foi mantido na análise de um recurso interposto junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT-24)).
Para o TRT-24, a partir do resgate, quando o trabalhador recobrou a liberdade, poderia ter proposto a ação para reivindicar eventuais direitos no período de dois anos, mas só o fez mais de seis anos depois. No recurso ao TST, o advogado do trabalhador argumentou que, quando a ação se origina de fato que precisa ser apurado no juízo criminal, como no caso, que ainda está em curso na Justiça Federal, não há prescrição antes da sentença criminal definitiva.
Direitos Humanos
No Tribunal Superior nem foi preciso esse argumento. Para o relator da ação no TST, ministro Augusto César, o Brasil, por ter ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto 678/1992), se submete à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH). E esta, ao condenar o Brasil por violação de direitos humanos no caso Fazenda Brasil Verde, entendeu que não há prescrição da pena, porque o direito à não submissão a trabalho escravo é uma norma indisponível de direito internacional.
“Se para o âmbito penal, onde se protege a liberdade de locomoção, as pretensões criminais decorrentes do crime de trabalho análogo ao de escravo são imprescritíveis, o mesmo entendimento deve ser adotado no âmbito trabalhista, que tutela o direito patrimonial de ressarcimento das vítimas”, afirmou o ministro. A decisão foi unânime por parte dos demais integrantes do colegiado.