Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) realiza nesta segunda-feira (27) uma audiência pública para discutir a validade de contratos antigos de cessão de direitos autorais diante das novas tecnologias digitais. O debate, está sendo conduzido pelo ministro Dias Toffoli, relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1542420, que teve a repercussão geral reconhecida (Tema 1.403). A decisão deve ser seguida pelas outras instâncias da Justiça.
A audiência reune 23 expositores, entre especialistas, professores universitários, representantes de artistas, gravadoras e entidades do setor musical, para fornecer informações técnicas e evidências científicas que ajudem o STF a definir os rumos da exploração de obras musicais em plataformas de streaming. O julgamento do tema, segundo o relator, deve ocorrer apenas em 2026, mas a contribuição dos especialistas será fundamental para “pavimentar um caminho seguro na resolução” dessa questão que envolve contratos firmados décadas antes da existência da internet e das plataformas digitais.
Toffoli rebate críticas ao funcionamento do STF
Ao abrir a sessão, o ministro Dias Toffoli aproveitou para fazer uma defesa enfática do funcionamento do Supremo Tribunal Federal, rebatendo críticas frequentes sobre a predominância de decisões monocráticas na Corte. O relator afirmou que é “uma lenda urbana” e “uma mentira deslavada” a alegação de que a Corte Suprema brasileira funciona de forma monocrática, com decisões tomadas por um único ministro.
Toffoli destacou que o STF julga, de forma colegiada, mais de 14 mil processos por ano, número superior ao de cortes supremas de países como Estados Unidos e Alemanha, que julgam cerca de 100 processos anuais. A comparação, segundo o ministro, evidencia a dimensão e a complexidade do sistema judiciário brasileiro.
O relator também contextualizou características específicas do Brasil que explicam o alto volume processual. Segundo ele, o país possui um sistema de justiça em que mais de 85% das causas são gratuitas, em razão também de o Estado ser um grande litigante. “Individualmente, os 18 mil juízes brasileiros são os mais atuantes do mundo e eliminam mais de 7.500 casos por ano”, enquanto a média mundial é abaixo de 1.000. “Nós damos conta do recado em todas as instâncias”, afirmou o ministro.
Dois eixos estruturam o debate
A audiência pública foi organizada em dois eixos principais de discussão, permitindo uma análise abrangente do problema que envolve direitos autorais e transformação tecnológica. O primeiro eixo aborda a exploração econômica de obras intelectuais na era digital, analisando como a transformação tecnológica impacta os contratos firmados décadas atrás, quando as plataformas de streaming e os formatos digitais sequer existiam como possibilidade comercial.
O segundo eixo trata do direito de fiscalização dos artistas sobre o uso de suas criações nas plataformas digitais, uma questão central para garantir transparência e remuneração adequada. Este ponto é particularmente sensível, já que muitos artistas alegam não ter controle ou informações claras sobre como suas obras são exploradas comercialmente no ambiente digital, dificultando inclusive a verificação da correção dos valores recebidos como direitos autorais.
As exposições estão sendo realizadas na sala de sessões da Segunda Turma do Tribunal, em uma jornada que busca reunir informações técnicas, jurídicas e econômicas. “Que os altos diálogos travados aqui possam pavimentar um caminho seguro para a resolução desse instigante paradigma de repercussão geral”, declarou Toffoli ao concluir a abertura da audiência, enfatizando a importância das contribuições dos especialistas para a futura decisão do tribunal.
O caso Roberto Carlos e a disputa contratual
O processo que motivou a convocação da audiência envolve nomes de peso da música brasileira. Roberto Carlos e os herdeiros de Erasmo Carlos moveram ação contra a editora Fermata do Brasil, questionando a validade de contratos assinados entre 1964 e 1987. Os artistas argumentam que os acordos previam apenas a exploração das músicas em formatos analógicos — como LPs, discos de vinil, CDs e DVDs —, sem qualquer menção aos meios digitais que sequer existiam à época.
A alegação central é de violação contratual e falta de transparência no uso das obras em plataformas de streaming como Spotify, Deezer e Apple Music. Os artistas defendem que a cessão de direitos não poderia abranger tecnologias inexistentes no momento da assinatura dos contratos, e que a exploração digital deveria ser objeto de novos acordos, com remuneração adequada à nova realidade do mercado.
Do outro lado da disputa, a Fermata do Brasil apresenta argumentos que defendem a manutenção dos contratos originais. A editora sustenta que a cessão dos direitos autorais foi definitiva no momento da assinatura e permanece válida independentemente das mudanças tecnológicas ocorridas ao longo das décadas. Segundo a empresa, os acordos garantem o direito exclusivo de explorar comercialmente as músicas em qualquer formato, seja ele presente ou futuro.



