O Superior Tribunal Militar (STM) julgou nesta terça-feira (29/04) um caso que deve vir a chamar a atenção do Judiciário posteriormente, porque está relacionado à possibilidade ou não de vir a ser firmado, no âmbito da Justiça Militar da União, o chamado Acordo de Não-persecução Penal (ANPP).
O ANPP é um instrumento jurídico previsto no Código de Processo Penal, introduzido pelo chamado Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019). Ele permite ao Ministério Público, em determinadas condições, propor ao investigado um acordo para evitar o oferecimento da denúncia e, consequentemente, o início do processo penal.
O objetivo do ANPP é proporcionar celeridade, economia processual e reduzir a judicialização de infrações penais de menor gravidade. Para isso, exige-se que o investigado confesse formalmente a prática do delito e se comprometa a cumprir condições como o ressarcimento do dano, prestação de serviços à comunidade, pagamento de multa, entre outras medidas previstas em lei.
Mas apesar de pedidos e argumentações de que o Supremo Tribunal Federal (STF) já deu decisões no sentido de acolher a homologação deste tipo de acordo na Justiça Militar, os ministros do STM continuam firmes no sentido de manter a proibição.
Oficiais do Exército
O caso foi avaliado durante a sessão mais recente da Corte, quando o colegiado indeferiu pedido de Habeas Corpus preventivo impetrado pelo Ministério Público Militar (MPM) em favor de dois militares, um capitão e um subtenente — ambos do Exército Brasileiro, investigados por suspeita de fraude em processo licitatório.
A denúncia contra eles está relacionada ao fornecimento de gêneros alimentícios para o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre (CPOR/PA), no Rio Grande do Sul. Conforme informações do STM, investigações do Inquérito Policial Militar revelaram indícios de irregularidades em procedimentos administrativos no setor de provisionamento da unidade.
O Ministério Público Militar (MPM) identificou possíveis práticas ilícitas durante contratações e requereu, ainda em fase inicial, a oitiva dos envolvidos, inclusive representantes da empresa fornecedora, com o objetivo de esclarecer se houve favorecimento ou enriquecimento ilícito de militares ou ex-militares.
Mas em primeira instância, o juiz federal da Justiça Militar da 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), Alcides Alcaraz Gomes, indeferiu pedido para possível formalização de ANPP.
Súmula 18
O magistrado argumentou que a súmula nº 18 do STM estabelece a inaplicabilidade do ANPP na Justiça Militar da União. O promotor do caso, entretanto, sustentou que a súmula está superada em função de decisão recente do STF, que já admitiu a aplicação do ANPP também no âmbito do processo penal militar, “como instrumento de política criminal e desjudicialização”.
No habeas corpus, o MPM pleiteou a suspensão do inquérito e a autorização para que os investigados fossem formalmente notificados para negociar o ANPP, nos termos do que estabelece o Código de Processo Penal, em relação à Justiça Militar.
Apesar de o pedido ter saído do MPM, o subprocurador-geral da Justiça Militar se manifestou junto ao STM contra a aplicação do acordo, o que evidenciou divergência interna no órgão acusador quanto à questão e mostrou que a dúvida sobre essa aplicabilidade é maior do que aparenta.
Após avaliar todo o caso e a divergência jurisprudencial, o relator do processo no STM, ministro José Barroso Filho, considerou que deve valer a súmula do Tribunal, que segundo ele, “é clara no sentido de não aceitar a aplicação do ANPP na Justiça Militar”.
O voto do relator, pelo indeferimento do Habeas Corpus foi seguido por unanimidade pelo colegiado do Tribunal. O processo foi o HC Nº 7000712-38.2024.7.00.0000/RS. O STM não divulga documentos sobre os processos julgados.