O ministro Gilmar Mendes, organizador e idealizador do Fórum de Lisboa, alertou para os riscos extraordinários da era inteligente durante a abertura da 13ª edição do evento. Em seu discurso, o magistrado destacou que a inteligência artificial traz tanto oportunidades quanto ameaças inéditas, especialmente relacionadas a novas formas de exclusão e controle social. O Fórum, que antes era exclusivamente jurídico, agora adota vocação transdisciplinar para abordar temas como reforma administrativa, geopolítica e política de drogas.
Mendes citou o sociólogo alemão Ulrich Beck sobre a “sociedade de risco”, argumentando que hoje enfrentamos categoria ainda mais temível de riscos. Segundo o ministro, estes advêm da própria inteligência artificial que a humanidade criou, gerando ameaças às bases da existência social.
O organizador do evento destacou que as transformações tecnológicas tendem a se tornar exponenciais, trazendo múltiplas crises climática, democrática e econômica. Citando Edgar Morin, afirmou que vivemos uma “policrise” que exige pensamento complexo para articular saberes fragmentados.
Digitalização questiona fundamentos do direito
O ministro alertou que a digitalização coloca em xeque os próprios fundamentos ontológicos e epistemológicos do direito. A teoria das fontes e interpretação jurídica, edificada sob premissa de racionalidade humana, enfrenta sistemas que tomam decisões em velocidade e escala impressionantes.
Para ilustrar essa realidade, Mendes citou exemplo dos Emirados Árabes Unidos, que anunciaram em 20 de junho a adoção de sistema de IA como membro consultivo do gabinete. A partir de janeiro de 2026, a inteligência artificial apoiará tomada de decisões em conselhos ministeriais e empresas governamentais.
O objetivo declarado é realizar análises imediatas, fornecer aconselhamento técnico e aumentar eficiência das políticas governamentais. O ministro considera esse plano de “ousadia que espantou especialistas no mundo inteiro”, remetendo aos riscos das novas experimentações normativas.
Democracia ameaçada pelas redes sociais
Mendes invocou Hannah Arendt ao lembrar que isolamento e perda do espaço público são condições para o totalitarismo. Na era das redes sociais, onde predominam bolhas informacionais e as pessoas se sentem mais à vontade para crimes, a advertência ganha “contornos proféticos”.
A fragmentação do debate público em câmaras de eco radicalizadoras representa ameaça sem precedentes à política como ação conjunta. O ministro considerou fundamental a decisão recente do STF sobre o Marco Civil da Internet.
A Corte declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 para estabelecer dever de remoção e responsabilização das big techs por postagens criminosas. A medida visa não apenas coibir crimes, mas restabelecer civilidade na esfera pública digital.
Sustentabilidade ganha nova dimensão digital
O organizador do Fórum defendeu que sustentabilidade transcende preservação ambiental, incluindo construção de “ecologia digital” compatível com democracia. Segundo Mendes, é preciso preservar direitos fundamentais como condição moral para vida digna no planeta.
Citando o filósofo Roberto Esposito, o ministro afirmou que “a comunidade não é um dado, mas uma tarefa”. A construção de comunidade política viável exige imaginar novas formas de vida comum que preservem diversidade, liberdade e dignidade humana.
O evento reúne autoridades, profissionais e estudiosos de diversas nacionalidades para diálogo sobre constitucionalismo adequado aos desafios futuros. A programação aborda desde reforma administrativa até nova ordem econômica internacional e aspectos geopolíticos contemporâneos.
Tecnologia deve servir à humanidade
Mendes concluiu evocando Fernando Pessoa: “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. O ministro considera que o Fórum “tem alma grande” por cultivar pensamento livre, respeito mútuo e aposta em futuro melhor.
O desejo declarado é que as reflexões contribuam para construção de futuro onde tecnologia sirva à humanidade inteira e ao planeta. O organizador enfatizou a importância de evitar que seja o contrário – a humanidade servindo à tecnologia.
A 13ª edição do Fórum de Lisboa mantém tradição de debate qualificado sobre questões contemporâneas relevantes. A mudança de nome do antigo “Fórum Jurídico” reflete ampliação temática para abranger múltiplas disciplinas e perspectivas sobre transformações sociais em curso.