Por Hylda Cavalcanti
A juíza Rossana Mergulhão, da 1ª Vara Cível de Bauru (SP), deu uma decisão que tende a repercutir em todo o Judiciário. Ela considerou que a união poliafetiva (no caso em questão os “trisais”, grupos familiares formados por três pessoas), embora proibida judicialmente, pode ser registrada em Cartórios de Títulos e Documentos.
A regra para isso, segundo ela, é que seja registrada apenas como contrato entre os cônjuges, caso desejem fazer uma ação declaratória do relacionamento.
Em cartório civil não pode
O entendimento da magistrada, expressado no julgamento do Processo de Nº 1000655-62.2025.8.26.0071 (para proteção das partes, não foram divulgados dados do processo na íntegra) é de que o trio não pode fazer isso num cartório de registro civil.
Uma vez que para tanto, precisaria do reconhecimento da união poliafetiva como estado civil pelo Estado — o que não existe hoje. Mas, para Rossana não há problemas quando se tratar de um Cartório de Títulos e Documentos.
Contrato privado
Conforme afirmou, “a lei brasileira não reconhece a união poliafetiva (entre mais de duas pessoas) como uma unidade familiar, mas esse tipo de união pode ser registrado em cartório como um contrato privado entre os cônjuges”.
A decisão da juíza tomou como base processo que, na origem partiu de pedido de um oficial de Justiça para cancelar um termo de união estável. A história começou quando três homens apresentaram termo de união estável poliafetiva para registro no Cartório de Títulos e Documentos de Bauru.
Legalidade questionada
O termo foi lavrado por uma servidora do cartório. Mas o oficial de Justiça quando o viu, questionou a legalidade do documento, com o argumento de que a união poliafetiva não está prevista em lei. Disse, também, que além de o termo precisar ser anulado, a servidora deveria ser punida.
O oficial, então, sustou os efeitos do documento e ajuizou uma ação de pedido de providências contra os três homens, pedindo o cancelamento definitivo do registro.
Discriminação
O trio ressaltou no processo que a união poliafetiva constitui uma forma de família reconhecida constitucionalmente e que sua proibição configuraria “discriminação injustificável”.
Os três homens pediram, em vez do cancelamento como pretendia o oficial, a homologação definitiva do registro do termo e o envio de ofícios às autoridades competentes para apuração de eventual conduta discriminatória.
Entre particulares
A julgadora enfatizou, na sua decisão, que “o que se veda, até o momento, é o reconhecimento jurídico das uniões poliafetivas como entidade familiar, com os efeitos decorrentes do instituto da união estável ou do casamento”.
“No caso concreto, o que se pretende é o registro de instrumento particular declaratório de união poliafetiva”, frisou — deixando claro que eles não pediram o reconhecimento jurídico da união. Rossana destacou que “as leis brasileiras consagram o princípio fundamental de que, entre particulares, é permitido fazer tudo aquilo que a lei não proíbe expressamente”.
Provimento da corregedoria
“Sendo assim, o trisal pode lavrar um documento declaratório em um Cartório de Títulos e Documentos”, completou. A magistrada lembrou que o Provimento Nº 37/2014, da Corregedoria Nacional de Justiça — que dispõe sobre o reconhecimento de união estável — não proibiu expressamente o registro de uniões poliafetivas.
Ela negou o pedido do Oficial de Justiça e reconheceu o termo de união entre os três homens como “um negócio jurídico de efeitos privados”.
-Com informações da Justiça de São Paulo