Parlamentar paulista cita caso do Roblox como exemplo de exploração no mundo virtual e propõe que tecnologia seja usada para aproximar Estado dos cidadãos
Por [Nome do Repórter]
São Paulo – [Data]
A deputada federal Tábata Amaral (PSB-SP) defendeu uma “regulação corajosa” do ambiente digital durante sua participação no encerramento da 13ª edição do Fórum Jurídico de Lisboa, que aconteceu na sexta-feira (4) na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Em discurso que abordou a soberania digital brasileira, a parlamentar alertou para os riscos da ausência de marco regulatório e citou casos concretos de exploração no mundo virtual.
O evento, que é capitaneado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e conta com a participação de outros quatro ministros da Corte, reuniu grandes nomes da política, do Judiciário e da academia. Para a deputada, o debate sobre soberania digital “é o mais complexo, mas também o mais urgente dos nossos tempos”.
O questionamento central
Tábata iniciou seu discurso com uma pergunta provocadora: “quem é que tem legitimidade para organizar a nossa vida coletiva?”. Para ela, em uma democracia, a resposta é única: “o povo e as representações e instituições que foram por ele escolhidas”. O problema, segundo a parlamentar, é que o mundo digital vem adentrando todos os domínios da vida, mas permanece fora do debate regulatório.
“Se a nossa vida coletiva, que se dá também nesse ambiente digital, ficar de fora dessa regulamentação, a gente sabe que a gente vai perder essa batalha”, alertou a deputada. Para ela, a soberania só permanece válida se for capaz de organizar também o mundo digital.
A parlamentar criticou a incapacidade global de organizar a vida quando ela se dá no ambiente digital, o que tem questionado tanto a soberania quanto a democracia. “O mundo todo, e aqui o nosso Brasil não está sozinho, vem perdendo a capacidade, ou até hoje não encontrou os meios de organizar essa vida quando ela se dá no ambiente digital”, afirmou.
O caso Roblox: trabalho infantil disfarçado de diversão
Um dos pontos mais impactantes do discurso foi quando Tábata trouxe o exemplo da plataforma Roblox para ilustrar a urgência da regulação. A deputada explicou que 60% dos usuários da plataforma têm menos de 16 anos e 40% têm menos de 12 anos, caracterizando um público majoritariamente infantil.
O problema, segundo ela, está no modelo de negócios da plataforma: “Nessa plataforma tem uma moeda digital, o Robux, e essa moeda ela serve para remunerar crianças que dedicam horas todos os dias para produzir os jogos que a plataforma vai comercializar”. A deputada destacou ainda que a Roblox fica com 80% do rendimento dos jogos que são feitos pelas crianças.
A parlamentar denunciou que é muito difícil para as crianças converterem a moeda digital em dinheiro real: “a conversão é difícil, o câmbio é ruim, a plataforma faz de tudo para que a criança não consiga tirar o dinheiro”. Para Tábata, isso configura uma situação em que “crianças trabalham, criam, geram valor sem receber quase nada”.
Roblox está sob investigação no Brasil
O Ministério Público do Trabalho (MPT) de São Paulo abriu inquérito civil para investigar se a plataforma Roblox lucra com trabalho infantil de programação feita por crianças e adolescentes. A investigação foi motivada por denúncias de que menores de idade oferecem serviços de criação de jogos por valores irrisórios na moeda virtual da plataforma.
A procuradora Luísa Carvalho Rodrigues, da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, alerta: “Essa visão de que o trabalho infantil precisa ser algo sofrido não necessariamente corresponde à realidade. Não é porque é algo divertido que vai deixar de ser trabalho”.
Em sua defesa, Stefano Corazza, chefe do Roblox Studio, afirmou durante a Games Developer Conference que isso é um “presente” para os jovens, especialmente aqueles em dificuldades financeiras. A empresa nega a existência de relação de trabalho com os usuários.
Regulação já existe, mas de forma privada
Tábata fez questão de desconstruir o que considera um “dilema equivocado” no debate sobre regulação digital. “O debate não é entre regular e não regular”, enfatizou. “O ambiente digital já é regulado, já existe uma soberania, só que quem define as regras e a estrutura de como que as pessoas interagem não é a sociedade por meio de suas representações, mas são os donos daqueles espaços”.
A deputada distinguiu entre internet como conceito geral e plataformas específicas: “Uma coisa é a internet, uma coisa é todo o ambiente digital, outra coisa são plataformas com CNPJ, com donos bilionários, mas que vêm influenciando a nossa vida como nunca antes aconteceu”.
Para ela, regular setores econômicos não é novidade na sociedade: “colocar a regra para setores econômicos, como a gente já fez lá atrás, com a indústria farmacêutica, com o turismo, com a metalurgia, com o automobilismo, isso não é novo”.
Adaptação institucional e oportunidades
No segundo bloco de sua fala, Tábata defendeu que as instituições brasileiras precisam se adaptar à revolução digital. Ela compartilhou experiências pessoais da campanha eleitoral de 2024, quando foi candidata à Prefeitura de São Paulo, incluindo denúncias sobre distribuição de dinheiro vivo para divulgação de cortes não declarados e a criação de vídeos pornográficos com deepfake usando sua imagem.
“Na eleição do ano que vem vai ser pior. A gente está preparado para isso?”, questionou a deputada, alertando para a necessidade de preparação institucional.
Mas Tábata também vê oportunidades na tecnologia. Ela citou o exemplo de Recife, cidade governada por seu companheiro João Campos (PSB), como modelo de uso da tecnologia para aproximar governo e cidadãos: “A prefeitura de Recife é hoje a cidade do mundo que mais envia WhatsApp para seus cidadãos”, destacou, mencionando mensagens automáticas sobre vacinação e benefícios sociais.
SUS e inteligência artificial
A deputada também vislumbrou potencial no Sistema Único de Saúde (SUS) combinado com inteligência artificial: “Que outro país está melhor posicionado do que a gente para usar integração de dados com IA e falar de uma medicina que não é nem mais a 3.0, é a 4.0, é a preventiva feita para cada um de nós?”.
Ela lembrou que “não foi os Estados Unidos que fez o PIX, foi o Brasil, foram os servidores públicos brasileiros que fizeram”, demonstrando o potencial nacional para inovação.
Compromissos e desafios
Ao final do discurso, Tábata assumiu dois compromissos públicos. O primeiro é “seguir lutando no Congresso Nacional para que a gente faça a nossa contribuição democrática na medida mais corajosa”. O segundo, relacionado ao seu novo cargo de vice-presidência de comunicação do PSB, é mostrar que “não são só os extremos que sabem se comunicar no mundo digital”.
A deputada encerrou com um apelo: “Nós precisamos de coragem para defender a nossa democracia, para defender a nossa soberania nacional, mas para dizer para as pessoas que a gente vai usar essa inovação toda para melhorar a vida delas, para incluir mais gente”.
O Fórum Jurídico de Lisboa acontece em um momento de tensão entre os Poderes no Brasil, com debates sobre regulação da inteligência artificial, governança digital e segurança jurídica. O evento reuniu ministros do STF, integrantes do governo federal, parlamentares e acadêmicos ao longo de três dias de debates na Universidade de Lisboa.