O tenente-coronel Mauro Cid informou ao Supremo Tribunal Federal que ex-presidente Jair Bolsonaro e ex-ministro Walter Braga Netto utilizaram documento inexistente para questionar sua colaboração premiada. A defesa de Cid classificou o material como “absolutamente inexistente” e pediu que o caso seja comunicado à Procuradoria-Geral da República. O episódio envolve suposta ata notarial contendo conversas entre o militar e o advogado Eduardo Kuntz sobre a delação.
Os réus da trama golpista contestaram o acordo de Cid alegando que ele usou Instagram para conversar com Kuntz. Nas supostas mensagens, o tenente-coronel teria questionado a voluntariedade de sua colaboração com a Polícia Federal. Cid nega ter utilizado a rede social para discutir aspectos de sua delação premiada.
Documento apresentado em junho não existia
Em 30 de junho, advogados de Braga Netto solicitaram juntar ao processo uma ata notarial das conversas. O documento teria sido registrado por Kuntz em 29 de março de 2024 no 2º Tabelionato de Notas da Avenida Paulista. A defesa de Cid consultou diretamente o cartório, que confirmou a inexistência do registro em nome do advogado.
Os advogados do tenente-coronel classificaram o material como “documento apócrifo” juntado com propósito de tumultuar o processo. Segundo a defesa, a Procuradoria-Geral da República foi induzida ao erro por conta desse documento. A PGR chegou a fazer ressalvas sobre a colaboração e manifestou-se pela redução dos benefícios pleiteados.
“Essa tal ‘ata notarial’ que, em tese, teria fé pública e força probatória, não passa de um documento apócrifo”, declarou a defesa de Cid ao STF. Os advogados afirmaram que o material foi juntado “com o evidente propósito de tumultuar — se não falsear — o devido processo legal”.
Kuntz admite que documento não foi registrado
Eduardo Kuntz confirmou ao Valor que nunca afirmou ter registrado as conversas em cartório. O advogado explicou que o material estava organizado apenas como “minuta” e não foi oficializado por questões financeiras. “Não foi registrada por falta de recursos. Não tínhamos dinheiro para pagar. Dava quase R$ 15/20 mil”, declarou Kuntz ao jornal.
O advogado acusou os questionadores de querer “criar cortina de fumaça para fugir do conteúdo” das conversas. Kuntz defende Marcelo Câmara, também réu na ação sobre a trama golpista investigada pela Polícia Federal. As supostas mensagens entre ele e Cid teriam ocorrido via Instagram durante o período de negociação da delação.
Defesas mantêm posição sobre uso do Instagram
A defesa de Bolsonaro disse ao Valor que comprovou nas alegações finais que Cid utilizou Instagram para tratar da delação. Por essa razão, segundo os advogados, não importa se o documento foi ou não registrado oficialmente. A estratégia é manter o questionamento sobre a voluntariedade da colaboração premiada do tenente-coronel.
Em nota, a defesa de Braga Netto declarou que “nada pode esclarecer sobre o registro ou não da referida ata notarial”. Os advogados afirmaram que “esse documento foi apenas um dos vários indícios de que Mauro Cid mentiu e foi coagido em sua delação”.
A defesa de Cid considera o episódio extremamente grave por envolver o julgamento de maior relevância da história republicana recente. Os advogados pediram resposta “firme, proporcional e imediata” do STF para proteger a integridade processual. O caso demonstra as tensões em torno da colaboração premiada que pode ser decisiva no processo da trama golpista.