A ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos marcou uma inflexão profunda na trajetória política e cultural do país. Sob sua liderança, os Estados Unidos testemunharam não apenas uma radicalização ideológica sem precedentes na era contemporânea, mas também um sistemático ataque às instituições que sustentam a vida democrática e o progresso civilizatório — entre elas, a ciência, a universidade, os professores e, particularmente, a Universidade Harvard. A ofensiva simbólica e material contra esses pilares do conhecimento e da razão revela uma faceta da decadência da sociedade americana, corroída por ondas de desinformação, populismo reacionário e desprezo pela verdade objetiva.
Durante o governo Trump, assistiu-se à deslegitimação pública de cientistas, à manipulação de dados científicos para atender interesses políticos imediatos e à marginalização de pesquisadores em temas sensíveis como mudanças climáticas, saúde pública, educação sexual e políticas de imigração. A pandemia de COVID-19 escancarou essa postura: orientações científicas foram ignoradas ou ridicularizadas, e especialistas como o Dr. Anthony Fauci tornaram-se alvos de ataques e ameaças por parte de grupos alinhados ao trumpismo. A ciência, tradicionalmente reconhecida como base de políticas públicas eficazes, passou a ser tratada como inimiga ideológica.
Nesse contexto de confronto com a racionalidade, as universidades tornaram-se alvo preferencial da retórica trumpista. Vistas como bastiões do pensamento progressista, os campi universitários foram retratados como espaços de doutrinação liberal, antipatriótica e antirreligiosa. Professores passaram a ser acusados de “inimigos do povo”, ecoando práticas autoritárias do século XX, e os investimentos públicos em pesquisa foram ameaçados. Harvard, como a mais proeminente das instituições acadêmicas americanas, tornou-se símbolo desse embate.
Fundada em 1636, Harvard é a universidade mais antiga dos Estados Unidos e uma das mais prestigiadas do mundo. Seu histórico de excelência acadêmica, de inovação científica e de formação de líderes é incontestável. Ao longo dos séculos, a universidade produziu dezenas de laureados com o Prêmio Nobel, presidentes americanos, pensadores de referência mundial, juristas, economistas, filósofos e ativistas. Harvard contribuiu de forma decisiva para o avanço do conhecimento humano, a consolidação do Iluminismo no Novo Mundo e o fortalecimento das instituições democráticas liberais. Suas bibliotecas, laboratórios e centros de pesquisa compõem uma das mais ricas infraestruturas intelectuais já erguidas pela civilização.
Atacar Harvard não é apenas um gesto simbólico contra uma universidade; é uma investida contra a própria ideia de que o saber, o debate público fundamentado e a educação crítica são motores do desenvolvimento social. A cruzada anti-intelectualista travada por Trump não visa apenas à deslegitimação de adversários políticos ou ideológicos — ela mina as bases da convivência democrática, do pluralismo e da verdade factual.
A decadência da sociedade americana sob Trump, portanto, não se resume à deterioração dos costumes políticos ou ao colapso do decoro institucional. Ela reflete uma crise mais profunda: a rejeição sistemática do conhecimento como instrumento de emancipação e justiça. Quando se combate a ciência, quando se desacredita a universidade, quando se hostiliza o professor, o que está em jogo é o futuro da própria civilização.
Harvard resiste — como resistem muitas outras instituições e pessoas comprometidas com a verdade e o bem comum. Mas a ferida aberta nesse período evidencia o quanto a democracia americana é vulnerável ao obscurantismo. O combate à decadência exige, pois, mais do que retórica: requer um renovado compromisso com a razão, com a ciência, com a educação pública e com os valores fundamentais do humanismo.