Na delação premiada, o tenente coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, detalha a operação de venda das joias desviadas do acervo público brasileiro em benefício do ex-presidente. Ele disse que contou com a ajuda do seu pai, o general Lourena Cid, para vender as joias nos Estados Unidos e os dois repassaram US$ 86 mil (R$ 490 mil) ao presidente entre 2022 e 2023, após a venda, descontando apenas despesas com viagens.
Segundo Cid, a operação começou a ser estruturada porque Bolsonaro teria dito que não tinha dinheiro para pagar indenização à deputada Maria do Rosário após perder processo judicial, e nem as multas por ter participado de motociatas sem capacete. Bolsonaro teria pedido ao ajudante para fazer uma pesquisa sobre a venda das joias fora do país. Os repasses, segundo Cid, foram feitos a Bolsonaro de forma direta ou indireta em quatro entregas feitas por ele e seu pai.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou nesta quarta-feira (19/02), a retirada do sigilo da delação premiada de Mauro Cid, ex- ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. A decisão foi tomada na PET12100, após a Procuradoria-Geral da República oferecer denúncia contra Bolsonaro e mais 33 pessoas por tentativa de golpe de Estado.
No despacho, Moraes afirmou que “uma vez oferecida a denúncia pelo PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA, para garantia do contraditório e da ampla defesa – com o oferecimento das respostas prévias, nos termos do art. 4º da Lei 8.038/1990 e do art. 233 do Regimento Interno do STF –, não há mais necessidade da manutenção desse sigilo, devendo ser garantido aos denunciados e aos seus advogados total e amplo acesso a todos os termos da colaboração premiada”, disse o ministro.
O ministro determinou ainda que os denunciados tenham acesso à íntegra da delação para que apresentem as defesas em até 15 dias.
“Os prazos serão simultâneos a todos os denunciados, inclusive ao colaborador, uma vez que, somente os réus – uma vez instaurada eventual ação penal – têm o direito de apresentar alegações finais após a manifestação das defesas dos colaboradores, não se aplicando tal entendimento à presente fase processual”.
Veja outros pontos abordados por Mauro Cid na delação premiada.
Grupos de Bolsonaro
Na delação, Mauro Cid afirmou que existiam dois grupos que cercavam o ex-presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto durante o seu mandato. Um deles foi chamado por Cid de “radical” e outro de “mais moderado”. Os radicais, contou, tentaram convencer o então presidente a executar um golpe de Estado.
Cid disse que presenciou reuniões sobre o tema e que, em novembro de 2022, o jornalista Felipe Martins, ex-assessor internacional do ex-presidente e um jurista (cujo nome ele disse que não recorda) apresentaram a Bolsonaro um documento com várias páginas de “considerandos”, que retratava interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e no final era um decreto.
O documento previa a prisão de várias pessoas, dentre elas, ministros do Supremo Tribunal Federal, do presidente do Senado Rodrigo Pacheco e de outras autoridades que, de alguma forma, se opunham ideologicamente ao ex-presidente. Além disso, o documento propunha novas eleições sob a alegação de fraudes que teriam ocorrido no pleito de 2022.
De acordo com o colaborador, Bolsonaro recebeu o documento, leu e alterou as ordens, mantendo apenas a prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições. Após concordar com os termos ajustados, o ex-presidente mandou chamar, no mesmo dia, os comandantes das Forças Armadas.
Vacinação
Em relação ao uso da estrutura do Governo Federal para inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde com o objetivo de falsificar cartões de vacina, o delator ratificou a prática dos crimes investigados. Afirmou que participaram da operação os investigados Max Guilherme, Sérgio Cordeiro e Ailton Barros, com a inserção de dados falsos e posterior emissão dos certificados de vacinação.
Mauro Cid confirmou que recebeu a ordem do ex-presidente para falsificar os certificados, para o caso de precisar sair do país e ter de apresentar os documentos em seu nome e da filha Laura Firmo Bolsonaro. Os certificados foram impressos e entregues em mãos a Bolsonaro, segund Cid.
Gabinete do Ódio
No tópico relacionado a atuação estruturada dos investigados, por meio do autointitulado GDO (“gabinete do ódio”), Cid relatou que o grupo se dedicava à criação e a repercussão de notícias não lastreadas ou conhecidamente falsas com o objetivo de atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro e reforçar o discurso de polarização.
Disse que o gabinete era composto por Tércio Arnaud e José Mateus, então assessores do ex-presidente, sob o comando de Carlos Bolsonaro. Eles administravam a conta de diversas redes sociais do ex-presidente (exceto Facebook e WhatsApp), sendo que o próprio Bolsonaro era o responsável direto pelas mensagens contendo informações falsas, encaminhadas de seu telefone por meio do aplicativo WhatsApp.