Por Carolina Villela
O ex-vice-presidente Hamilton Mourão negou ter participado de qualquer reunião para discutir estado de exceção ou plano golpista durante audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (23). Em depoimento, Mourão afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro “em nenhum momento mencionou qualquer medida que tentasse o estado de ruptura” e que estava “abatido” logo após a derrota eleitoral de 2022.
A sessão, que ouviu diversas testemunhas da investigação sobre tentativa de golpe de Estado, foi marcada por momentos de alta tensão, especialmente durante o depoimento do ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo, quando o ministro Alexandre de Moraes chegou a ameaçá-lo de prisão por desacato. O confronto ocorreu após Rebelo emitir opiniões pessoais sobre os fatos investigados.
Mourão defende militares e nega conhecimento de Plano
Durante seu depoimento, Mourão elogiou militares investigados, especialmente ao general Augusto Heleno, a quem chamou de “ícone da sua geração” e “extremamente respeitado”. Sobre o general Walter Braga Netto, classificou sua carreira nas Forças Armadas como “extraordinária”, negando ter discutido qualquer “medida de exceção” com ele ou com Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
O ex-vice-presidente relatou detalhes dos dias posteriores à derrota eleitoral, afirmando que se colocou à disposição de Bolsonaro para ajudar na transição e que o então presidente delegou Ciro Nogueira para coordenar os trabalhos, “demonstrando que Bolsonaro estava pronto para entregar a transição para o governo eleito”.
Questionado sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, Mourão disse que estava em casa, “dentro da piscina”, quando foi informado pelo filho sobre os ataques às sedes dos Três Poderes. Negou ter conhecimento da participação de militares do governo Bolsonaro na “baderna” daquele dia.
Comandante da Marinha revela ausência de Garnier em cerimônia
O comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, afirmou que o almirante Almir Garnier, um dos investigados, “transferiu o cargo, mas não compareceu à cerimônia” de transmissão do comando da Marinha.
O ministro Moraes destacou que o não comparecimento de Garnier representou “quebra de tradição”, e Olsen confirmou que a transferência do cargo precisou ser conduzida pelo ministro da Defesa, José Múcio. Quando questionado sobre a justificativa de Garnier para faltar à cerimônia, Olsen disse imaginar que foram “questões de foro íntimo”.
Olsen também esclareceu sobre uma nota divulgada pela Marinha em resposta a matérias da mídia sobre tanques, assegurando que “em momento nenhum houve ordem ou mobilização do emprego de veículos blindados”.
Confronto direto entre Moraes e Aldo Rebelo
O momento mais tenso da audiência ocorreu durante o depoimento de José Aldo Rebelo Figueiredo, ex-ministro da Defesa do governo Dilma Rousseff. Quando questionado se seria possível à Marinha dar um golpe sozinha, Rebelo atribuiu a declaração investigada a uma “figura de linguagem”, provocando a primeira intervenção de Moraes.
“O senhor estava naquela reunião? Não? Então, o senhor não tem condições de avaliar a língua portuguesa naquela ocasião. Atenha-se aos fatos”, disse o ministro. A partir daí, os ânimos se exaltaram quando Rebelo rebateu: “em primeiro lugar, a minha apreciação da língua portuguesa é minha”.
A tensão culminou com a ameaça de Moraes: “se o senhor não se comportar, o senhor será preso por desacato”. O embate continuou com ironias do ministro, que chegou a dizer: “se o senhor quer saber, depois o senhor vai ler na imprensa”.
Análise técnica sobre capacidade militar
Apesar das tensões, Rebelo conseguiu responder tecnicamente que a Marinha não teria condições de aplicar um golpe isoladamente, precisando da adesão das outras Forças Armadas, uma vez que “qualquer comando dentro das Forças Armadas tem que consultar toda a hierarquia”.
O ministro Moraes lembrou que “em 1964, não foi ouvida toda a carreira de comando para se aplicar o golpe militar”, rebatendo as explicações de Rebelo sobre a necessidade de consulta hierárquica.