O ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assumiu a Corregedoria Nacional de Justiça nesta terça-feira (03/09) numa cerimônia curta e simples, porém repleta de recados nas entrelinhas sobre a forma como pretende atuar. Ele destacou no discurso a importância de os magistrados morarem na região onde trabalham, de agirem sempre para tentar apaziguar conflitos. Disse, ainda, que é importante buscar melhor contato com os povos e comunidades tradicionais, de forma a acelerar litígios que envolvem essas populações, e ressaltou que os julgadores precisam ser pessoas “imparciais”, “serenas”, “pacificadoras” e que ajam com “discrição e recato”.
Usando a frase “O Brasil está queimando”, Campbell Marques disse que é importante priorizar, nas ações da corregedoria, o julgamento de questões importantes para a sustentabilidade ambiental, e defendeu a criação de políticas públicas de apoio estrutural para a instrução de ações voltadas à proteção e à recomposição dos biomas nacionais. “Vamos encetar políticas públicas de apoio estrutural para instrução de ações voltadas à proteção, à precaução e à recomposição dos biomas nacionais priorizando decisões e julgamentos onde tais temas estejam gritando fundo em nossas consciências, não mais para futuras, mas para a nossa geração”, afirmou.
“Hoje, a dor é maior, é o Brasil que está queimando, e cá estou para, irmanado com todos os juízes e juízas nacionais, apagar esses incêndios priorizando a sustentabilidade ambiental como profilaxia natural de toda uma sociedade, por todos os rincões deste Brasil”, acrescentou. Ele também pediu que o Ministério Público e outros órgãos de controle – como a Advocacia Geral da União (AGU), o Ministério do Meio Ambiente e Controle do Clima e a Polícia Federal – atuem em parceria com o Judiciário, municiando a magistratura com informações nestes casos.
Conduta dos juízes
Sobre a importância de os magistrados morarem nos locais onde trabalham, tema sobre o qual já falou várias vezes, o ministro explicou que o objetivo dessa regra é fazer com que conheçam de perto as necessidades da população que atendem e suas vulnerabilidades. O que, consequentemente, faz com que atuem melhor na garantia da Justiça.
No tocante à menção de se buscar a paz e tentar apaziguar conflitos, Campbell Marques citou suas próprias origens. Lembrou as comunidades tradicionais existentes em vários estados da Amazônia e destacou a importância de a Corregedoria buscar um melhor contato com os povos tradicionais em todo o país, para acelerar a resolução de suas demandas judiciais.
Continuidade de trabalhos
O novo corregedor também prometeu dar continuidade às políticas públicas implantadas na gestão que o antecedeu, quando a corregedoria esteve sob o comando do ministro Luis Felipe Salomão, seu colega de STJ. Ele elogiou a gestão de Salomão e disse que trabalhar pelo acompanhamento e avanço destas políticas é um compromisso seu.
Campbell Marques reiterou declarações feitas anteriormente sobre a grandiosidade do Judiciário brasileiro. Afirmou que o número atual de processos em tramitação (83 milhões) é desafiador. “Nenhum juiz do mundo possui a carga de trabalho que os juízes brasileiros têm”, frisou.
Destacou como qualidades primordiais para um bom juiz o fato de ser garantidor de direitos, pacificador, agregador de harmonias, conhecedor da realidade do país e agir sempre de forma serena, “com discrição e recato.” Essas últimas palavras soaram como recados dados nas entrelinhas para muitos dos magistrados presentes.
Posse prestigiada
A posse foi uma das mais prestigiadas dos últimos tempos, do ponto de vista do Judiciário. Além da presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; e do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, autoridades de diversas partes do país viajaram para acompanhar a solenidade.
Considerado um ministro muito católico, o novo corregedor contou ainda com a presença de religiosos, principalmente padres e bispos — o que não é tão comum em eventos do Judiciário. Em especial, chamaram a atenção os comparecimentos do arcebispo de Manaus, sua terra natal, cardeal Leonardo Ulrich Steiner, e do arcebispo de Brasília, cardeal Paulo Cezar Costa.
Barroso brincalhão
A posse também teve momentos de descontração. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, estava particularmente brincalhão na cerimônia. Durante a solenidade, Barroso afirmou que seguia a máxima de um amigo, segundo a qual, “discursos, só se forem poucos”. E esses poucos, “só se forem curtos”.
Depois, lembrou as origens de Campbell Marques, nascido na Amazônia, “onde tudo é grandioso” e enfatizou, como bom carioca, que “para que seu currículo ficasse perfeito, ele [Marques] estudou no Rio de Janeiro”. Por fim, ao ler trecho de um documento referente a projeto para melhorias no Judiciário, o presidente do STF olhou para os presentes e disse, rindo: “poucas vezes li algo tão cafona”. Aproveitou para reiterar o pedido que sempre faz de textos curtos e sem rebuscamento.
Tribunais bem representados
Por parte dos Tribunais de Justiça, apesar da presença de muitos magistrados, chamou a atenção o fato de terem prestigiado a posse presidentes de Cortes com número grande de Procedimentos Administrativos Disciplinares (os chamados PADs) julgados pela corregedoria nos últimos anos. Compareceram à cerimônia os presidentes do TJBA, TJRJ, TJMA, TJMT, TJRS, TEJCE, TEJAM e TJPR, dentre outros.
Já a Justiça Federal se fez representar quase que totalmente, com os presidentes dos TRFs 1,2,3 e 5. Os TRFs 4 e 6 enviaram representantes. Em vários momentos, principalmente quando entrou no salão conduzido pelos colegas e também durante o seu discurso, Campbell Marques recebeu reverências de várias pessoas que fizeram questão de se levantar para aplaudi-lo.
Perfil do novo corregedor
Nos bastidores dos tribunais superiores há um comentário antigo, de advogados e magistrados de instâncias inferiores, segundo o qual existem dois tipos de perfis para os integrantes da Corregedoria Nacional de Justiça — que são trocados a cada biênio. Os que “chegam chegando” e os que preferem uma atuação mais discreta, como forma de não fragilizar ainda mais o já tão frágil Judiciário. É esse o mistério que permeia a atuação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell Marques no cargo que assumiu nesta terça-feira (03) para cumprir mandato até 2026.
Os que “chegam chegando”, são os que não se incomodam de brigar publicamente com colegas e políticos ao fazer correr processos e atuar para punir em alto e bom som os juízes e desembargadores envolvidos em denúncias diversas. Os mais polidos, embora nem sempre isso signifique deixar de ser duro, procuram fazer com que muitas partes dos autos sejam mantidas em sigilo e têm por hábito chamar os acusados em questão para uma descompostura daquelas. Na maioria das vezes, em reservado.
Mauro Campbell tem as duas características. É um magistrado equilibrado nos julgamentos que profere no STJ, mas, ao mesmo tempo, possui uma trajetória destacada no combate à corrupção e na defesa dos direitos sociais. Ele mesmo falou que um julgador precisa ter serenidade e isso ninguém discute quanto ao seu estilo. Mas os magistrados sabem que assumirá o cargo um julgador que gosta da tramitação de processos com celeridade e atua por meio de métodos de racionalização das ações por tema, sempre que possível, de forma a agilizar a dinâmica dos julgamentos. Ao mesmo tempo, um jurista que gosta de fazer análise criteriosa dos casos que recebe.
Campbell Marques substitui no cargo o ministro Luis Felipe Salomão, recém-empossado como vice-presidente do STJ. O novo corregedor integra o Tribunal há 17 anos, onde chegou para ocupar uma vaga destinada a membros do Ministério Público (MP). É considerado um especialista em Direito Público, Direito Administrativo, Ambiental e Tributário.
Advocacia, MP e STJ
Com 60 anos, ele é natural de Manaus (AM). Formou-se em Direito pelo Unibennett – Centro Universitário Metodista Bennett e já atuou como professor, advogado, secretário de Justiça, Segurança Pública, Controle Interno, Ética e Transparência do Amazonas. Foi membro do MP por 21 anos e, até chegar ao STJ, chefiou a instituição no Amazonas por três vezes, sempre eleito pelos seus pares.
“Ele sempre foi um lutador, um perseguidor do bem e do bom caminho, e contribuiu decisivamente para o fortalecimento do Ministério Público”, afirmou a subprocuradora da República Elizeta Ramos, ao falar sobre o ex-colega de MP. “Foi um formador de jurisprudência no STJ e teve atuação destacada em várias reformas legislativas, como é o caso da Lei 14.230/2021, que atualizou a Lei de Improbidade Administrativa”, disse a ex-presidente da Corte, ministra Maria Thereza de Assis Moura, ao mencionar sua atuação como magistrado,
O procurador-geral do Amazonas, Giordano Bruno Costa da Cruz, destacou decisões importantes de Campbell Marques no Tribunal, como a separação de temas repetitivos para julgamentos em conjunto, um sistema que conseguiu acelerar cerca de 24 milhões de processos em todo o Brasil.
Atuação presencial
Durante sua sabatina no Senado Federal, o novo corregedor adiantou um pouco a forma como pretende atuar no cargo. Afirmou que considera de suma importância a presença dos magistrados nas comarcas onde estão lotados. Criticou a conduta dos chamados “juízes virtuais” e disse achar “inadmissível” que esses magistrados “busquem se converter em juízes metaversos, abandonando as suas comunidades, entregando-as a um computador, a um celular, a uma relação absolutamente distante daquilo que é a realidade”.
“Em algumas comarcas do interior, haverá dificuldades para a manutenção do juiz com a sua família. Mas isso não significa dizer que ele possua uma carta de alforria para fazer da magistratura um ‘bico’, ou eventualmente fazer turismo na sua comarca. Lá ele deve residir porque recebeu ajuda de custo, dinheiro público. Quem recebe ajuda de custo para permanecer na sua comarca e não o faz comete ato de improbidade administrativa”, pontuou — deixando claro que essa “presença” será constantemente fiscalizada na corregedoria sob o seu comando.
Sobre a grande quantidade de processos em tramitação no país, o ministro defendeu o que chamou de “reorganização cultural do Poder Judiciário”. “O sistema judiciário nacional precisa de uma reorganização para que juízes respeitem as decisões de desembargadores, e desembargadores respeitem as decisões dos ministros de tribunais superiores. Somente se fizermos esse reordenamento, esta correção de rumos, poderemos vislumbrar um horizonte melhor para o cidadão. Caso contrário, o processo, que será sempre o processo da vida do cidadão, será colocado na vala comum de centenas de milhares de processos”, enfatizou, durante sua sabatina para o cargo, no Senado.
Contra aposentadoria compulsória
Outro tema que Campbell Marques costuma abordar, tido como polêmico, é a questão da aposentadoria compulsória de magistrados, sempre que são punidos em processos administrativos. Isto porque, nesses casos, eles saem do Judiciário, mas são aposentados com todos os ganhos proporcionais a todo o período em que trabalharam como magistrados. “A aposentadoria compulsória como punição é um tema que tem que ficar no passado deste país. Para que não haja o enriquecimento ilícito do Estado, até concordo que o juiz receba a aposentadoria proporcional até o momento em que foi punido. Ou — o que acho mais correto — que fique ele restrito ao Sistema Geral de Previdência Social, para que não seja premiado pelo crime ou pela infração disciplinar”, já afirmou.
A Corregedoria Nacional de Justiça é responsável pela orientação, coordenação e execução de políticas públicas voltadas à atividade correicional e ao bom desempenho da atividade judiciária dos tribunais e juízos e dos serviços extrajudiciais do País.
Foto: CNJ