As implicações legais do porte de arma branca sem autorização voltaram a ser discutidas pelo Supremo Tribunal Federal. O julgamento, em sessão virtual, começou no dia 27 de setembro e vai até 4 de outubro.
No Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 901623, a Defensoria Pública de São Paulo argumenta que, por falta de regulamentação do dispositivo da Lei de Contravenções Penais que prevê o delito, o porte de arma branca não poderia ter consequências penais.
O relator, ministro Edson Fachin, deu provimento ao recurso para julgar improcedente a pretensão punitiva do Estado e absolver o réu.
No voto, o ministro ressaltou que o Estado não pode exigir algo sem que institua as condições para que as exigências sejam atendidas, o que não é a hipótese dos autos, na medida em que a regulamentação do tipo contravencional, cuja competência pertence à União, ainda não foi editada. O ministro Flávio Dino acompanhou o relator.
Divergência
O ministro Alexandre de Moraes inaugurou a divergência. Ao votar contra o recurso, destacou que as circunstâncias em que houve a abordagem denotam a lesividade da conduta e o evidente risco aos frequentadores do local, não podendo ser considerada um indiferente penal.
Registrou ainda que, segundo o laudo pericial, a faca apreendida em poder do acusado possuía o comprimento total de 29,7 cm e poderia ter sido eficazmente utilizada como instrumento pérfuro-cortante.
Moraes reforçou que o magistrado deve analisar a intenção do agente ao portar o instrumento, aferir o grau de potencialidade lesiva ou de efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal, para, então, concluir acerca da tipicidade da conduta supostamente criminosa, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto.
Repercussão geral
Em outubro de 2015, por maioria, o Plenário Virtual reconheceu a repercussão geral do caso. Edson Fachin argumentou que o tema merece esse status por tratar de garantia constitucional de relevância social e jurídica que transcende os limites da causa, “explicitando a necessidade de se exigir clareza dos tipos penais, um dos corolários do princípio da legalidade penal”.
Para o ministro, a discussão se baseia na lacuna do tipo penal que motivou a condenação do recorrente, em possível afronta ao princípio da legalidade penal (artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal). ” Não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal, concluiu”.
Caso concreto
No caso em questão, o homem é usuário de drogas e de bebidas alcoólicas. Segundo a denúncia do Ministério Público, ele foi encontrado em frente a uma padaria com uma arma branca na cintura, presa à calça. Constantemente vai até o local pedir dinheiro para clientes e funcionários. Quando não lhe dão, fica revoltado e agressivo.
Ele foi condenado ao pagamento de 15 dias-multa pelo porte de uma faca de cozinha, com recurso negado pela Turma Criminal do Colégio Recursal de Marília (SP). O colegiado entendeu que o artigo 19 da LCP está em plena vigência e não foi revogado pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que trata apenas de armas de fogo.
A Defensoria Pública de São Paulo, que representa o recorrente, sustenta no STF a atipicidade do porte de armas brancas, já que o artigo 19 da LCP não tem regulamentação. Alega que a invocação do Decreto Paulista 6.911/1935 como norma regulamentadora do porte de arma branca viola a competência exclusiva da União para legislar sobre direito penal (artigo 22, inciso I, da CF).
Lei das Contravenções Penais
O artigo 19 da LCP estabelece como contravenção trazer consigo arma fora de casa, sem licença da autoridade, sob pena de prisão simples ou multa, ou ambas cumulativamente.