Em julgamento no plenário, nesta quarta-feira (19/03), o Supremo Tribunal Federal formou maioria para validar a lei 14.946/13 do estado de São Paulo que prevê, entre outras penalidades, a cassação da inscrição no ICMS de empresas que vendem mercadorias produzidas com uso de trabalho escravo. A análise do tema foi levada ao plenário físico após o pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.
Na ação (ADI) 5465, a Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo alega que a norma viola garantias constitucionais e o devido processo legal, ao punir empresas e seus sócios sem exigir a comprovação de dolo ou culpa.
Ao votar nesta tarde, o relator, ministro Nunes Marques, reafirmou o entendimento que já havia manifestado em sessão virtual. Ele acolheu parcialmente o pedido, conferindo interpretação conforme a Constituição, para que a penalidade seja aplicada mediante comprovação de dolo ou culpa, tanto das empresas quanto de seus sócios.
Marques também votou para que a sanção, prevista na lei, só possa ser aplicada se for comprovado, em processo administrativo, com contraditório e ampla defesa, que o comerciante tinha ciência ou deveria suspeitar da origem espúria das mercadorias adquiridas.
Marques ressaltou que a prática do trabalho em condições análogas à escravidão ainda persiste no Brasil, especialmente no setor rural e na construção civil. E afastou o argumento da CNC de que a norma invadiu competência legislativa da União ou criou um tribunal de exceção.
Os ministros Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Luiz Fux, Edson Fachin e Cármen Lúcia acompanharam Nunes Marques. O ministro Alexandre de Moraes, que, antes, havia votado para declarar a lei inconstitucional, reajustou o voto para seguir a posição do relator.
Já o ministro Dias Toffoli abriu divergência por entender que o Estado de São Paulo invadiu competência da União ao estabelecer normas de fiscalização e punição para empresas envolvidas com trabalho escravo.
Com o placar de 9 votos a 1 para validar a lei paulista, o julgamento foi suspenso após o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Situação alarmante
Ao acompanhar o relator, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que o trabalho escravo ainda é uma realidade alarmante no país. Ele afirmou que, apenas em 2024, mais de dois mil trabalhadores em situação análoga à escravidão foram resgatados no Brasil.
O ministro lembrou que São Paulo é um dos líderes do preocupante ranking, com 467 casos, ficando atrás apenas de Minas Gerais. Por isso, a lei estadual representou um marco contra a prática ilegal e foi usada como modelo por outros estados, como Mato Grosso, Paraíba, Bahia, Amazonas e Goiás.
“Daí a minha preocupação em preservar esta lei, porque foi um modelo de sucesso replicado em outros estados da Federação”, afirmou.
Para o ministro, a legislação de São Paulo não impõe dever à União, apenas prevê punição administrativa de empresas identificadas previamente pelos órgãos de fiscalização do trabalho. “Se o órgão federal na sua inspeção identificar que houve trabalho escravo, aí subsequentemente é que o Estado instaurará o seu procedimento”, explicou.