O Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta terça-feira (11/02), para reconhecer a repercussão geral na aplicação da Lei de Anistia nos chamados “crimes permanentes”, aqueles de consumação prolongada, como sequestro e ocultação de cadáver. A lei extinguiu a punição para crimes políticos praticados entre 1961 e 15 de agosto de 1979.
O tema é discutido no ARE 1501674. No recurso, o Ministério Público Federal questina Acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que manteve decisão que enquadrou na Lei da Anistia crimes de homicídio e ocultação de cadáver, praticados por militares entre os anos de 1974 e 1976, durante a chamada “Guerrilha do Araguaia”.
O relator, ministro Flávio Dino, defendeu a repercussão geral, especialmente do ponto de vista social, político e jurídico. Dino esclareceu que a proposta não é rever a decisão do Supremo que validou a Lei da Anistia, mas definir o alcance dela, ou seja, se vale também para crimes que continuaram a gerar efeitos após a vigência da lei.
“O quanto tipificado no artigo 211 do Código Penal, na modalidade “ocultar”, tem esse caráter permanente. Ora, quem oculta e mantém oculto algo prolonga a ação até que o fato se torne conhecido. O crime está se consumando inclusive na presente data, logo não é possível aplicar a Lei de Anistia para esses fatos posteriores”.
O ministro destacou a dor dos familiares que nunca encontraram os corpos de parentes.
“O crime de ocultação de cadáver não ocorre apenas quando a conduta é realizada no mundo físico. A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante”.
O relator propôs a seguinte tese:
Possibilidade, ou não, de reconhecimento de anistia a crime de ocultação de cadáver (crime permanente), cujo início da execução ocorreu antes da vigência da Lei da Anistia, mas continuou de modo ininterrupto a ser executado após a sua vigência, à luz da Emenda Constitucional 26/85 e da Lei nº. 6.683/79.
Em seu voto, Flávio Dino citou o filme “Ainda estou aqui”, que conta a história de Eunice Paiva, que ficou viúva após o marido – ex-deputado Rubens Paiva (cassado pela ditadura em 1964) – ser torturado e assassinado pelo Estado.
“A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”.
A tese da repercussão geral, que ainda será firmada em data a ser marcada, deverá ser adotada em processos com o mesmo tema nas outras instâncias da Justiça. O julgamento no plenário virtual termina no dia 14/02.