Após reconhecer a repercussão geral (Tema 1380), o Supremo Tribunal Federal vai decidir se o reconhecimento pessoal em processo penal vale como prova para definir a autoria de um crime quando o procedimento não seguir o Código de Processo Penal. A discussão tem o objetivo de esclarecer se a prática viola direitos constitucionais, como o devido processo legal, a ampla defesa e a proibição de provas ilícitas.
O reconhecimento de pessoas no processo penal é um meio de prova utilizado para identificar o autor de um crime ou infração podendo ser feita pela vítima, testemunha ou outro acusado. O procedimento é regulamentado pelo artigo 226 do CPP. A Resolução 484/2022 do Conselho Nacional de Justiça traz orientações detalhadas sobre como utilizar o reconhecimento de pessoas.
O próximo passo é o julgamento, pelo STF, do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1467470, que questiona decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que mantiveram a condenação de dois homens por roubo de veículo com emprego de arma de fogo com base apenas no reconhecimento pessoal. A decisão que a Corte tomar nesse caso deverá ser seguida pelas demais instâncias do Judiciário em casos semelhantes. Não há data prevista para o julgamento do mérito do recurso.
Caso concreto
O crime ocorreu em 2019 em Campinas (SP). Após ter o carro roubado, a vítima informou à polícia que os criminosos usavam um Celta branco como apoio, mas não forneceu outros detalhes. Os suspeitos foram identificados por meio do reconhecimento pessoal.
Um dos homens apontados estava em um veículo semelhante ao descrito pela vítima, que já havia sido utilizado em outros crimes, e demonstrou nervosismo, o que levou à sua abordagem. A prisão de ambos foi decretada mesmo sem outras evidências além da identificação feita pela vítima.
A defesa de um dos condenados argumenta, entre outros pontos, que a prova obtida por meio do reconhecimento facial é ilícita porque o procedimento não seguiu as regras estabelecidas no CPP.
Fragilidade
Ao se manifestar pela repercussão geral da matéria, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso (relator), destacou a fragilidade do reconhecimento pessoal como prova, por depender de fatores como a memória da vítima e sua capacidade de atenção em situações frequentemente traumáticas ou violentas. “A dependência excessiva sobre a qualidade dos sentidos de quem é chamado a reconhecer pode levar as pré-compreensões e os estereótipos sociais a influenciarem o resultado do ato”, afirmou Barroso.
O ministro também apontou o caráter discriminatório desse procedimento e citou como exemplo o Rio de Janeiro, onde 83% dos casos de reconhecimento equivocado resultaram na punição indevida de pessoas negras.
“O potencial reforço às marcas de seletividade e de racismo estrutural dessa questão sobre o sistema de justiça criminal, por sua vez, designa a relevância social e política do tema”.
Barroso reforpu a importância da garantia de investigações criminais justas e igualitárias e ressaltou que a jurisprudência do STF não é uniforme quanto à validade do reconhecimento pessoal em desconformidade com o CPP. “Diante das dificuldades intrínsecas ao reconhecimento pessoal como meio de prova, o debate sobre a obrigatoriedade de procedimento legal cuida essencialmente de definir o alcance de garantias constitucionais para processo e julgamento de pessoas suspeitas da prática de crime” concluiu.
Com informações do STF.