A 1° Turma do Supremo Tribunal Federal encerrou a primeira fase do julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete acusados de tentativa de golpe de Estado em 2022. Pela manhã, falaram o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, que apresentou o relatório; o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que apresentou a denúncia; e as defesas dos denunciados. Os advogados dos acusados alegaram em suas defesas que a denúncia da PGR é frágil e pediram seu arquivamento. Veja as sustentações orais.
O advogado Celso Sanchez Vilardi, que defende o ex-presidente de Jair Bolsonaro, afirmou que ele “foi o presidente mais investigado do país, uma investigação que perdurou por anos”.
“O que se achou do presidente? Absolutamente nada”, disse o advogado.
Vilardi citou que o ex-presidente foi investigado pelo episódio da live, vacinas e gastos do cartão corporativo. No entanto, segundo ele, nada foi encontrado.
Ele questionou a acusação da PGR que diz que a organização criminosa começou a atuar em 2021.
“Estamos tratando de uma execução que se iniciou em 2021 contra o governo legitimamente eleito. Qual era o governo legitimamente eleito? O dele. Então, esse crime é impossível, com todo o respeito.”
Vilardi afirmou que se trata de uma narrativa baseada em atos de pronunciamento do presidente da República sem violência ou ameaças. Disse ainda, que nem a Polícia Federal encontrou evidências da participação de Bolsonaro nos ataques de 08 de janeiro.
“Nem a Polícia Federal afirmou a participação dele no 8/1”. E completou: “não participou do 8/1, pelo contrário, ele repudiou”.
O advogado também reclamou não ter tido acesso integral às provas e às mídias completas. Sustentou que o prazo de 15 dias para analisar 45 mil documentos era insuficiente.
Argumentos das demais defesas
O advogado Paulo Renato Garcia Cintra, que defende Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin, afirmou que a denúncia contra seu cliente foi baseada em apenas três arquivos de texto. Um deles, segundo o advogado, afirmava que medidas adotadas deveriam ser submetidas à CGU para respaldo jurídico.
O advogado disse ainda que a Polícia Federal fez busca e apreensão em computadores e telefones usados por Ramagem durante dois anos de oito meses à frente da Abin.
“São indícios muito tímidos, singelos, da prática de um crime muito grave – da efetiva atuação do denunciado na construção de uma mensagem deletéria às urnas eletrônicas. Porque tudo o que há na denúncia são três arquivos de texto, e nada mais.”
Ele ainda diz que os arquivos não trazem algo novo, inédito, criativo.
“Alexandre Ramagem não deu ordens. O que há é um documento de caráter institucional, pertencente à Abin, apreendido no computador de Alexandre Ramagem, e servidores da Abin utilizando esse documento para produção de suposta informação. Com todas as vênias, admitir que Ramagem tem envolvimento com isso sem o mínimo indício nesse sentido seria imputar-lhe culpa in vigilando, talvez.”
O advogado Demóstenes Lázaro Xavier Torres, que defende o Almirante Almir Garnier, pediu a rejeição da denúncia alegando não haver provas suficientes contra o ex-comandante da Marinha. Afirmou ainda que não existem elementos que comprovem que ele tenha participado dos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro.
“A denúncia é inepta. Ela não menciona de que forma o almirante Garnier contribuiu para os atos do 8 de Janeiro. Falta liame subjetivo. E todos nós sabemos o seguinte, precisa ter um mínimo de laço probatório. Só há invencionismo”.
A defesa também pediu que, por se tratar de julgamento de grande relevância, como sustentou a PGR, deveria ser conduzido pelo plenário do STF e não pela 1 °Turma.
Argumentou que a nota em defesa da liberdade de expressão foi assinada pelos três chefes das Forças Armadas, mas apenas Garnier foi denunciado. E que, nas ocasiões em que Bolsonaro teria mencionado o golpe, o almirante permaneceu calado, o contraria a denúncia da PGR que diz que ele concordou.
Eumar Novacki, advogado de Anderson Torres, primeiro solicitou que o processo contra o ex-ministro e ex-secretário de Segurança Pública do DF fosse encaminhado a uma das varas criminais da Justiça do DF. Depois, alegou que não há justa causa nem elementos que comprovem as acusações contra Torres.
Disse que a minuta idêntica à encontrada na casa dele está disponível na internet. E argumentou que Mauro Cid não implica Anderson Torres em sua delação premiada.
“Jamais participou de ação golpista e nós devemos buscar o que é correto e digno e é por isso que nós pedimos a rejeição da denúncia”.
O advogado Matheus Mayer Milanez, que defende o general Augusto Heleno, afirmou que não há elementos que coloquem o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional na organização criminosa. Ressaltou que o próprio delator, Mauro Cid, disse que “nunca viu nenhuma ação operacional ou de planejamento do general”.
O advogado argumentou que o general apenas esteve presente na live, feita por Bolsonaro, mas não falou nada.
Milanez também reforçou que Heleno organizou e planejou a posse do presidente Lula sem nenhuma intercorrência, o que contraria a tese de que atuou no plano golpista. E afirmou ainda, que a defesa não teve acesso integral às íntegras dos autos e mas sim à informes de Polícia Judiciária.
O advogado de Mauro Cid, Cesar Bittencourt, começou dizendo que não havia muita coisa para falar, “apenas destacar a sua dignidade, sua grandeza, a sua participação nos fatos como testemunha”. Segundo Bittencourt, as circunstâncias os colocaram na situação de delator.
“Como assessor que foi do presidente, ele tinha conhecimento dos fatos”.
Argumentou que Mauro Cid cumpriu com o seu dever ao delatar a suposta tentativa de golpe e, por isso, pediu que seja reconsiderado o oferecimento da denúncia em relação a Mauro Cid.
Rito do julgamento
A sessão começou às 9h45 no plenário da 1ª Turma com a presença do próprio Bolsonaro, que chegou de surpresa para acompanhar o julgamento e está instalado na primeira fileira ao lado de seus advogados e dos defensores dos demais denunciados.
O primeiro a falar foi o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo. Ele fez um resumo da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, destacando os principais pontos. No final da fala, Moraes mencionou os atos de 8 de janeiro de 2023 como o último ato da tentativa de golpe, “uma ação planejada que resultou na destruição do patrimônio público, incluindo bens tombados”.
O julgamento começou com a apresentação do relatório. O relator, ministro Alexandre de Moraes, leu um resumo da denúncia da Procuradoria-Geral da República.
De acordo com a denúncia da PGR, “a responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recaem sobre a organização criminosa liderada por Jair Messias Bolsonaro, baseada em projeto autoritário de poder enraizado e com forte influência de setores militares”.
De acordo com os autos, Jair Bolsonaro junto com integrantes do alto escalão do governo federal e das forças armadas formaram o núcleo crucial da organização criminosa. Mesmo tendo havido adesão em momentos distintos, eles participaram das principais ações e atos criminosos, em ação progressiva e coordenada que iniciou em 2021.
Moraes citou trechos da denúncia que apontaram que a organização criminosa seguiu todos os passos necessários para depor o governo legitimamente eleito, como os ataques ao processo eleitoral, manobras sucessivas e articuladas contra instituições e incitação à violência contra as estruturas, exacerbada pela manipulação de notícias eleitorais. O ministro ressaltou o ponto da denúncia que ações de monitoramento contra autoridades baseadas em dados falsos.
“Os alvos somente não foram violentamente neutralizados devido à falta de apoio do alto comando do Exército”, destacou o ministro. O relator afirmou que, após o oferecimento da denúncia, as defesas tiveram prazo de 15 dias para respostas, como determina a lei. Autorizou as defesas a terem acesso às provas e documentos que constam nos autos.
Em resumo, Moraes disse que as defesas pediram o impedimento do relator e dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, além de questionarem a competência da 1° Turma para julgar o caso.
Os denunciados apresentaram diversos requerimentos como ampliação dos prazos e ausência de acessos à provas.
PGR
O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, afirmou que Jair Bolsonaro formou com outros civis e militares organização criminosa que tinha por objetivo gerar ações que garantissem a sua continuidade no poder independentemente do resultado das eleições de 2022.
Gonet enfatizou que a organização tinha por líderes o próprio presidente da República e o seu candidato a vice, general Braga Netto.
“Todos aceitaram, estimularam e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra a existência e independência dos poderes e o Estado Democrátido de Direito.
Gonet citou a minuta do golpe encontrada no gabinete de Bolsonaro, classificando como “episódios assombrosos desvendados no inquérito policial” e ressaltou o plano para matar o presidente Lula, o vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes.
“As investigações revelaram a aterradora operação de execução do golpe, em que se admitia até mesmo a morte do presidente da República e do vice eleitos, bem como de ministro do STF”.
“Os membros da organização criminosa, estruturada no Palácio do Planalto, (planejaram) ataques às instituições com vistas à derrocada dos sistemas de poderes e da ordem democrática seguindo o plano que recebeu o sinistro nome punhal verde e amarelo”.
Propósito de descumprir decisões judiciais
O procurador geral da República citou a manifestação em junho de 2022, em São Paulo, em que Bolsonaro demonstrou a intenção de descumprir decisões judiciais. Destacou ainda que os ataques às urnas eletrônicas se intensificaram antes do 8/1, em mais uma etapa da tentativa de golpe.
“ A organização criminosa preparou material sabidamente inverídico sobre as urnas eletrônicas para a divulgação em live realizada em 15/11 de 2022, postergou a divulgação do relatório de divulgação das Forças Armadas que atestava a higidez do processo eleitoral, e, quando finalmente foi dado ao conhecimento geral, providenciou que o ministério da Defesa lançasse imediatamente nota oficial buscando minimizar as conclusões, ordenou a emissão de nota oficial a favor da liberdade de expressão em 11 de novembro de 2022, visando a dar aos apoiadores do golpe a aparência de que as Forças Armadas acolhiam e incentivavam os acompanhamentos espalhados pelo país”.
Os denunciados
Os cinco ministros que compõem o colegiado vão decidir se aceitam a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República. Fazem parte do chamado núcleo 1 da trama golpista:
-Jair Bolsonaro, ex-presidente;
-Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
-Almir Garnier Santos; ex-comandante da Marinha do Brasil;
-Anderson Torres; ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança -Pública do Distrito Federal;
-General Augusto Heleno; ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência;
-Mauro Cid; ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência;
-Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e
-Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
Cinco crimes
– golpe de Estado
– abolição violenta do Estado Democrático de Direito
– organização criminosa armada
– dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Ação penal
Se a denúncia for aceita pela 1ª Turma, será aberta uma ação penal no Supremo e os oito denunciados se tornarão réus no tribunal. A próxima etapa é a abertura da fase de instrução processual, quando são colhidas as provas e depoimentos de testemunhas e acusados. Depois disso, será feito outro julgamento em que os ministros vão decidir se os envolvidos são considerados culpados ou inocentes. Se forem inocentados, o processo será arquivado. Se forem condenados, será fixada uma pena de acordo com a participação de cada um nas ações ilegais.
Os acusados ainda podem recorrer da decisão da Turma e apresentar, por exemplo, os chamados embargos de declaração, para esclarecer pontos obscuros e contraditórios ou apontar eventuais omissões ou, até mesmo, erros na decisão.