Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quinta-feira (14) o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 640452, com repercussão geral (Tema 487), que discute se constitui confisco a aplicação de multa de 40% por descumprimento de obrigação tributária acessória. O caso envolve a Eletronorte, que foi multada pelo Estado de Rondônia devido a erro no preenchimento de notas fiscais sobre operação de compra de diesel para geração de energia elétrica, sem que houvesse sonegação efetiva de tributos.
Na sessão desta tarde, os ministros ouviram as partes interessadas no processo. Após as sustentações orais, o julgamento foi suspenso e será retomado no plenário virtual para definição da tese de repercussão geral.
Sustentações destacam riscos de confisco
Durante a sessão, Gláucia Maria Laureta, advogada da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), alertou que multas baseadas no valor da operação podem caracterizar confisco e até mesmo enriquecimento ilícito do Estado. A representante defendeu que a penalidade por descumprimento de obrigação tributária acessória não deve exceder 20% do valor do tributo, argumentando que percentuais superiores extrapolam o caráter punitivo e educativo da sanção.
Em contrapartida, Luciana Miranda Moreira, representando a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sustentou que as obrigações acessórias têm função regulatória específica, sendo necessárias para o controle estatal de determinadas atividades econômicas. Segundo ela, “quanto mais lesiva a conduta, maior tem que ser a penalidade”, defendendo a manutenção de sanções mais rigorosas para casos que representem maior risco ao sistema tributário.
A procuradora da fazenda sugeriu ainda que a tese de repercussão geral deve estabelecer parâmetros claros para o legislador, criando camadas de proteção diferenciadas conforme a gravidade da infração, mas ressalvou que multas aduaneiras devem ser excluídas dessa limitação.
Breno Ferreira Martins, advogado da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abat), reforçou a defesa do patamar máximo de 20% para as multas. O advogado destacou que no caso concreto da Eletronorte, embora a empresa não tenha emitido a nota fiscal de entrada, a nota fiscal de saída foi devidamente emitida pela Petrobrás, não havendo qualquer dano ao erário público ou prejuízo à fiscalização tributária.
Propostas divergentes dos ministros
O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, propôs três teses principais após homologar a desistência do recurso. Sua proposta estabelece que multas isoladas por descumprimento de obrigação acessória não podem exceder 20% do valor do tributo correlato, sob pena de configurar confisco constitucional. Nos casos sem tributo diretamente vinculado, o limite de 20% incidiria sobre o valor potencial do tributo correspondente à operação.
O relator também propôs que o legislador mantenha competência para definir critérios de gradação das multas, podendo prever circunstâncias agravantes e atenuantes, desde que respeitados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sem prejuízo do controle judicial posterior das penalidades aplicadas.
O ministro Edson Fachin acompanhou integralmente a proposta do relator, sinalizando convergência em torno dos parâmetros mais restritivos para as multas tributárias acessórias.
Divergência aponta limites mais flexíveis
O ministro Dias Toffoli apresentou proposta divergente, defendendo limites mais flexíveis para as multas tributárias. Em sua tese, quando houver tributo ou crédito vinculado, a multa poderia atingir até 60% do valor, chegando a 100% em casos com circunstâncias agravantes. Para situações sem tributo vinculado, mas com valor de operação identificável, propôs limite de 20%, podendo chegar a 30% com agravantes.
A proposta de Toffoli inclui ainda a aplicação do princípio da consunção e estabelece que, em casos extremos, a multa ficaria limitada a 0,5% ou 1% do valor total da base de cálculo dos últimos 12 meses do tributo pertinente. O ministro também sugeriu modulação de efeitos, fazendo com que a decisão produza efeitos apenas a partir de sua publicação.
Esta divergência demonstra a complexidade do tema e a necessidade de equilibrar o poder punitivo do Estado com a proteção constitucional contra o confisco, considerando as diferentes realidades econômicas e os variados tipos de infrações tributárias acessórias existentes no sistema brasileiro.