Da Redação
A 9ª Vara Federal de Porto Alegre condenou a União a pagar R$ 100 mil em danos morais coletivos à comunidade indígena Mbyá-Guarani da Aldeia Passo Grande/Flor do Campo, em Barra do Ribeiro (RS). A decisão do juiz Bruno Brum Ribas foi motivada pela demora de 15 anos no processo de demarcação territorial, que mantém cerca de 40 pessoas vivendo em condições precárias em apenas um hectare cedido por particular.
O Ministério Público Federal (MPF) moveu ação contra a União e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) destacando a situação delicada da comunidade. As dez famílias enfrentam dificuldades de sobrevivência na área restrita desde 2009, quando o processo demarcatório foi iniciado.
A Funai alegou em sua defesa que enfrenta severas limitações estruturais. A fundação apontou carência de servidores e o impacto negativo da judicialização dos procedimentos demarcatórios em seu planejamento institucional. como a carência de servidores, “criando ‘fura-fila’ e privilegiando comunidades em detrimento de outras”.
Complexidade do processo demarcatório
O magistrado reconheceu que a demarcação de terras indígenas constitui importante obrigação constitucional do Estado brasileiro. Porém, destacou que a complexidade do processo e a necessidade de recursos financeiros e humanos impedem conclusão em prazo curto.
Ribas observou que as dificuldades estruturais da Funai incluem efetivo reduzido de servidores e crescente número de reivindicações. A natureza voluntária do vínculo de muitos profissionais dos Grupos Técnicos também dificulta a dedicação exclusiva aos procedimentos.
A judicialização impacta diretamente o planejamento da autarquia, gerando inversões na ordem de prioridades. Fatores externos como cooperação de cartórios e apoio de forças de segurança também influenciam o andamento dos processos.
Justificativa para demora reconhecida
O juiz entendeu haver justificativa plausível para a demora por parte da Funai. Por isso, considerou inadequada a fixação de prazos que prejudicasse outras comunidades eleitas como prioritárias pela fundação.
Quanto ao pedido de deslocamento da comunidade para outras áreas, Ribas negou a solicitação. O magistrado considerou que tal decisão depende da autodeterminação dos próprios indígenas, não cabendo imposição judicial compulsória.
A transferência forçada violaria o direito fundamental à autodeterminação das comunidades tradicionais. A União e Funai não podem ser obrigadas a realizar deslocamentos sem concordância dos interessados.
Dano moral reconhecido
Apesar de reconhecer as dificuldades da Funai, o juiz identificou dano moral na situação. A omissão do Poder Público ao permitir que o processo se arrastasse por tanto tempo foi considerada negligente.
A manutenção da comunidade em condições precárias configura dano que atinge direitos de personalidade. A preservação da cultura, costumes e crenças indígenas também fica prejudicada pela situação prolongada de incerteza.
O valor de R$ 100 mil será aplicado em benefício direto da comunidade Mbyá-Guarani. A aplicação dos recursos terá acompanhamento da Funai e do Ministério Público Federal para garantir destinação adequada.
Recurso possível
A sentença foi publicada na terça-feira (3/9) e cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A decisão estabelece precedente importante sobre responsabilização do Estado por demoras excessivas em processos demarcatórios.