Em um caso de grave discriminação racial, a ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Vera Lúcia Santana Araújo, foi barrada e impedida de entrar em um evento no qual seria palestrante, mesmo após apresentar suas credenciais oficiais. O incidente, ocorrido na última sexta-feira (16), foi denunciado publicamente pela presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, durante sessão plenária da Corte realizada na terça-feira (20).
O episódio aconteceu na entrada de um seminário intitulado “XXV Seminário Ética na Gestão – prevenção e enfrentamento do assédio e da discriminação no setor público”, organizado pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República, realizado na sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília.
Segundo o relato da presidente do TSE, a ministra Vera Lúcia chegou ao local do evento, apresentou-se como palestrante e mostrou sua carteira funcional que comprova sua condição de ministra substituta do TSE, mas mesmo assim foi impedida de ingressar no local onde aconteceria o seminário.
“Uma das integrantes do TSE foi alvo de uma inaceitável conduta de discriminação, racismo, de tratamento indigno quando se apresentava como palestrante”, denunciou Cármen Lúcia durante a sessão. “Racismo é crime, etarismo é discriminação. É inconstitucional, imoral, injusto qualquer tipo de destratamento em razão de qualquer critério que não seja a dignidade da pessoa humana”, afirmou a presidente do TSE.
“Foi um soco na cara moral”
Em entrevista ao portal Platô.br, a ministra Vera Lúcia descreveu o episódio como um claro ato de racismo e revelou que, infelizmente, situações como essa são “recorrentes” em sua vida. “Óbvio, manifestamente. O desprezo, o descaso. Óbvio que, infelizmente, não fui discriminada pela primeira vez, é recorrente”, declarou.
A ministra relatou que apresentou sua carteira funcional, que é “grande, vermelha, com letras metálicas”, mas foi completamente ignorada: “Ninguém quis pegar a carteira, era um desprezo absoluto. Todo mundo sabe que ninguém branco é barrado assim”.
Ela destacou ainda o contraste entre seu tratamento e o recebido por uma mediadora branca que chegou ao local no mesmo momento e entrou sem qualquer obstáculo. “É desqualificante, é humilhante. A violência não é somente o soco na cara físico, é o soco na cara moral, ético, preconceituoso, racista. Não tem outro nome”, desabafou.
Repercussão e providências
Assim que soube do ocorrido, o ministro Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU), entrou em contato com a ministra Vera Lúcia e com a presidente do TSE para se solidarizar. Ele enviou um ofício formal expressando seu repúdio ao caso e informou ter notificado o presidente da Comissão de Ética da Presidência da República para apuração dos fatos.
“Esse repugnante episódio ofende não apenas a dignidade da ministra, mas também os princípios mais elementares de respeito aos direitos fundamentais de igualdade racial que pautam o nosso Estado Democrático de Direito”, diz o documento enviado pela AGU ao TSE.
A AGU informou que, embora a gestão do prédio onde ocorreu o incidente seja terceirizada, já adotou medidas administrativas e reforçou que possui um programa de combate ao assédio e à discriminação, com ações específicas de letramento racial e capacitação de profissionais terceirizados.
A presidente do TSE, Cármen Lúcia, também enviou um ofício ao presidente da Comissão de Ética da Presidência da República solicitando a apuração formal do caso, que segundo ela “pode constituir crime” e representa uma agressão não apenas à pessoa da ministra, mas a toda a sociedade brasileira.
“Todo ser humano merece respeito em sua dignidade. Não há como se compadecer com comportamentos como o que atingiu a ministra Vera Lúcia. Essa presidência e toda a Justiça Eleitoral não aceita práticas criminosas por discriminação, por racismo, por etarismo contra quem quer que seja”, afirmou Cármen Lúcia.
Quem é Vera Lúcia Santana Araújo
Vera Lúcia Santana Araújo foi nomeada ministra substituta do TSE pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2023, tomando posse em fevereiro de 2024. Ela é a segunda mulher negra a integrar a Corte Eleitoral, sendo a primeira a ministra Edilene Lôbo, que assumiu o cargo em agosto de 2023.
Natural de Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, Vera Lúcia tem 62 anos e mais de 30 anos de atuação jurídica. Neta de lavadeira e filha de professora, mudou-se para Brasília aos 18 anos para estudar. Formada em Direito, construiu uma sólida carreira como advogada e ativista, com especial atuação nas causas antirracistas e democráticas.
Antes de assumir o cargo no TSE, atuou no Conselho Penitenciário do Distrito Federal, na Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi diretora da Fundação Cultural Palmares (FCP), diretora-presidente da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal (Funap) e secretária-adjunta de Políticas para a Igualdade Racial do Distrito Federal.