Em sessão de julgamento iniciada às 9h45 desta terça-feira, advogados de militares acusados de participar de plano golpista apresentaram suas sustentações orais perante a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Os defensores contestaram alegações da Procuradoria-Geral da República, que apontou a existência de uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, dedicada a planejar ações para impedir a posse do presidente e vice-presidente eleitos.
A sessão começou com o ministro Cristiano Zanin abrindo oficialmente os trabalhos, seguido da leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes. O relator destacou que, segundo a PGR, as ações coercitivas teriam sido lideradas por diferentes núcleos, incluindo atividades de monitoramento e neutralização de autoridades públicas e ações táticas para convencer o alto comando do exército a consolidar um golpe de estado.
Sustentação da PGR
A subprocuradora-geral da União, Claudia Sampaio Marques, iniciou sua sustentação oral apresentando o chamado “Núcleo 3” da denúncia, composto por 12 agentes responsáveis por ações coercitivas, ataques ao sistema virtual e ações de campo que envolviam violência. Segundo ela, este núcleo era formado essencialmente por integrantes das forças especiais.
“Todos que integraram a organização criminosa sabiam que não houve crime eleitoral e passaram a agir para a ruptura da ordem democrática”, afirmou Claudia Marques. De acordo com a subprocuradora, os acusados deste núcleo participaram da execução de medidas coercitivas que tinham como objetivo neutralizar autoridades, incluindo monitoramento.
A representante do Ministério Público Federal chegou a afirmar que “a ideia era haver a morte de autoridades, incluindo o presidente e o vice-presidente eleito”. Também destacou que eventuais irregularidades em oitivas na fase de inquérito policial não contaminariam a ação penal, uma vez que os depoimentos não teriam sido elementos relevantes para a denúncia.
Argumentos das defesas
A partir das 10h08, iniciaram-se as sustentações dos advogados de defesa dos militares acusados. Cada um apresentou argumentos específicos para contestar as acusações contra seus clientes.
Defesa de Bernardo Correa Neto
Ruyter de Miranda Barcelos, advogado de Bernardo Correa Neto, afirmou que a primeira acusação contra seu cliente refere-se a uma reunião ocorrida em 2022, onde apenas por mensagem ele escreveu “influenciar positivamente”. Segundo o advogado, o relatório da PF e a denúncia omitiram a palavra “positivamente”, colocando dolo na intenção do denunciado.
“O relatório da PF e a denúncia omitem a palavra ‘positivamente’ e colocam dolo na intenção do denunciado. Mas não há nenhuma prova no relatório da PF de que ele tenha ultrapassado essa intenção cogitada”, ressaltou o defensor, acrescentando que a reunião consistiu em uma confraternização, “uma conversa de bar”, sem menção a golpe ou ruptura institucional.
Barcelos argumentou ainda que “não há indícios de autoria nem de materialidade” e questionou: “Se é organização criminosa, então quem é o chefe dele? O que há é uma narrativa construída que não tem suporte fático”. O advogado também mencionou que seu cliente não participou de acampamentos, não incentivou invasões a prédios públicos nem depredações.
Defesa de Cleberson Ney Magalhães
Luiz Mário Felix de Moraes Guerra, advogado do coronel Cleberson Ney Magalhães, destacou que seu cliente foi convidado para um encontro com amigos sem ter conhecimento de que ali seria tratado algum plano estratégico. “Não há qualquer manifestação de Cleberson Ney concordando com um eventual golpe, não há nenhuma mensagem, um emoji, nada que o incrimine, conforme comprovam relatórios do inquérito”, afirmou.
O defensor ressaltou que seu cliente responde por formação de organização criminosa e outros crimes, o que resulta numa ameaça de cerca de 40 anos de pena. Por isso, pediu que a denúncia contra Cleberson Ney fosse rejeitada, “em homenagem à história de técnica, sensibilidade e tratamento individualizado que essa casa sempre deu aos acusados”.
Ausência de provas e reuniões contestadas
O advogado Diogo Rodrigues de Carvalho Musy, que atua na defesa do general Estevão Teófilo Carlos Oliveira, contestou a associação de seu cliente à suposta organização criminosa. “Em nenhum momento é mostrado que em mais de dois anos de atuação o general Estevão Teófilo tenha participado de reuniões, coordenado ou recebido ordens de quem quer que seja sobre o tema”, argumentou.
Segundo o defensor, a acusação contra o general é baseada em uma única reunião ocorrida em 9 de dezembro de 2022, mencionada em um áudio enviado pelo então tenente-coronel Mauro Cid para o comandante do Exército na época. Musy destacou que seu cliente “jamais participou ou apoiou qualquer ação de teor antidemocrático” e “jamais deu qualquer auxílio moral ou material para os autos de 8 de janeiro”.
Defesa de Fabrício Bastos
Marcelo Correa, advogado de Fabrício Bastos, destacou que seu cliente é um oficial de ponta do Exército brasileiro, condecorado e que atuava em Israel. De acordo com o defensor, o coronel apenas cumpriu ordens de seu superior para verificar a existência de uma carta, não tendo participado de nenhuma reunião para discutir os fatos objeto da denúncia.
“O contato do coronel Fabrício Bastos com esse caso se deu, exclusivamente, por causa de uma ordem expressa para que coletasse informações e as levasse para o serviço de inteligência do Exército”, afirmou o advogado, acrescentando que a denúncia contra seu cliente “é um atestado de desconhecimento do que acontece na caserna”.
Questionamentos sobre provas e procedimentos
O coronel Helio Ferreira Lima, defendido pelo advogado Luciano Pereira Alves de Souza, foi descrito como alguém “inserido numa trama maquiavélica”. Segundo o defensor, seu cliente perdeu o comando que exercia no Amazonas e quatro promoções em função do caso, tendo sido chamado a prestar depoimento em 2022 para responder 111 perguntas.
Rafael Favetti, defensor de Marcio Nunes Rezende, argumentou que seu cliente “não tem nada a ver com o documento intitulado Punhal Verde e Amarelo” e que não foi indiciado pela Polícia Federal. As acusações contra ele se limitariam à sua participação na elaboração de uma carta para pressionar superiores, algo que o advogado negou veementemente.
Suposto monitoramento de autoridades
Jeffrey da Costa, defensor de Rodrigo Bezerra de Azevedo, focou sua sustentação em contestar as provas apresentadas contra seu cliente. “Temos um acusado preso, sem aparelho celular, mas conseguimos demonstrar e provar que o relatório final está uma farsa”, afirmou, destacando que seu cliente não estava no local indicado pela Polícia Federal.
O advogado ressaltou que, em 15 de dezembro de 2022, data em que a PF alega que Azevedo estaria nas proximidades da residência do ministro Alexandre de Moraes, ele estava em casa comemorando seu aniversário. “Quando a gente fala que é uma narrativa, uma fala sem provas, é porque é uma narrativa. Falar até papagaio fala. Mas em estado democrático de direito que não permite exceções a acusação precisa apresentar a prova. E nós provamos a inocência do denunciado”, enfatizou.
Diferenciação entre os acusados
João Carlos Dalmagro Júnior, defensor de Ronald Ferreira de Araújo Júnior, destacou a necessidade de diferenciar as condutas dos diversos imputados. Ele ressaltou que seu cliente não era integrante das forças especiais, mas um militar ligado à comunicação, e que não estava presente na reunião de 28 de novembro de 2022.
“O que é imputado a Ronald é que em determinado momento, conversou com outro colega que foi Sérgio Cavalieri, comentaram que havia um burburinho sobre a carta e dos militares que não queriam assinar essa carta e ele teria dito que ‘sabia onde isso iria vazar'”, explicou o advogado, acrescentando que, “a partir daí não é imputada nenhuma outra denúncia ao Ronald”.
Principais argumentos das defesas
- Ausência de provas materiais que comprovem a participação dos acusados em qualquer plano golpista.
- A reunião de 28 de novembro de 2022, citada como evidência pela PGR, foi caracterizada pelas defesas como uma confraternização entre amigos.
- Inexistência de mensagens ou declarações dos acusados que demonstrem apoio a ações antidemocráticas.
- Questionamento sobre as interpretações das mensagens interceptadas, alegando que houve distorção de seus significados.
- Não participação da maioria dos acusados nas reuniões citadas pela acusação.
- Cumprimento de ordens superiores, sem conhecimento de eventual plano golpista.
- Falta de individualização das condutas, com acusações genéricas contra os réus.
- Incompetência do STF para julgar militares em casos como este.
- Questionamento sobre a imparcialidade do ministro relator.
- Apresentação de provas de que alguns acusados não estavam nos locais indicados pela investigação.
- Contradição entre as acusações e o fato de alguns militares terem sido promovidos durante o atual governo.
- Alegação de cerceamento de defesa por questões processuais.
A sessão, que se estendeu por toda a manhã, evidenciou o embate entre a acusação, que sustenta a existência de um plano coordenado para impedir a posse do presidente eleito, e as defesas, que negam veementemente qualquer participação de seus clientes em atividades antidemocráticas, apontando supostas fragilidades nas provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República.