O Supremo Tribunal Federal retoma nesta segunda-feira (04/11) os trabalhos da Câmara de Conciliação sobre o marco temporal das terras indígenas. É a 8ª reunião do grupo sob o comando do ministro Gilmar Mendes, relator de cinco ações no STF que discutem a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que institui o marco temporal para demarcação dessas terras.
Na reunião desta segunda, será apresentado o entendimento do STF firmado em setembro de 2023 no Recurso Extraordinário 1017365, quando a Corte declarou a inconstitucionalidade do marco temporal. Além disso, serão apresentados entendimentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema.
No último encontro, realizado em 23 de outubro, foram debatidos artigos da Lei do Marco Temporal aprovada pelo Congresso Nacional, em especial, trechos que debatem os critérios que definem terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) apresentou uma proposta para alterar trechos da Lei que tratam sobre o processo de demarcação de terras indígenas. Eventuais contrapropostas serão debatidas nesta segunda.
Como definido pelo relator, o objetivo é “encontrar um consenso sobre medidas e propostas que garantam os direitos dos povos originários, respeitando sempre a sua pluralidade de valores e costumes, e da população não-indígena, de forma a garantir uma coesão institucional em torno de pontos mínimos que assegurem proteção e segurança jurídica a todos”.
No entanto, os termos da Câmara de Conciliação desagradou parte do movimento indígena, que se retirou da negociação por não considerar justa as condições propostas. Segundo Eloisa Machado, representante da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), a tentativa de conciliação “forçada e compulsória” reduz o próprio papel do STF na defesa dos povos indígenas do Brasil, ao não determinar a inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Congresso. A entidade cobrou ainda uma decisão liminar do ministro Gilmar Mendes para suspender os efeitos da Lei 14.701/2023.
Diante da decisão, tomada em 28 agosto, após a primeira reunião, o chefe de gabinete do ministro Gilmar Mendes e coordenador da audiência, Diego Viegas, acusou a Apib de querer esvaziar a Comissão de Conciliação, mas afirmou que as negociações não seriam interrompidas pela ausência da entidade.
Posteriormente, o ministro relator solicitou ao Ministério dos Povos Indígenas a indicação de um integrante para representar os indígenas nas discussões. Em 14 de outubro, o órgão indicou cinco representantes. São eles:
– Weibe Tapeba, secretário especial de saúde indígena do Nordeste;
– Eunice Kerexu, coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul;
– Douglas Krenak, coordenador da Funai em Minas Gerais e Espírito Santo;
– Pierlangela Nascimento da Cunha, coordenadora de políticas educacionais indígenas do Ministério da Educação do Norte;
– Eliel Benites, professor auxiliar na Universidade Federal da Grande Dourados.
Em nota, o ministério informou que entende a importância da participação indígena nas discussões e que cumpre sua missão institucional de estar presente no debate. No entanto, o órgão informou que as indicações não substituem a representação da Apib.
“O MPI reafirma o seu respeito às instituições democráticas e a importância de sua participação na Comissão Especial que reúne os três poderes da República, como uma oportunidade de reforçar os valores constitucionais, buscando a sua plena efetividade. Temos a confiança de que, como guardiã máxima da Constituição, a Corte não permitirá retrocessos em relação aos direitos indígenas e este será um espaço de diálogo para avançarmos no debate em torno de soluções que assegurem os direitos originários dos povos em relação aos seus territórios”, diz trecho da nota.
Após a indicação, a Apib divulgou nota reiterando que não participará das discussões no STF “sob o entendimento de que não foram garantidas condições mínimas e justas para sua participação”.
“A continuidade da vigência da Lei do Genocídio Indígena, que coloca os povos indígenas sob constante ameaça e violência, bem como a falta de respeito à autonomia de vontade e aos direitos constitucionais afastaram os povos indígenas desse espaço, não obstante inúmeros apelos. Sem a definição de objeto sob conciliação, corre-se o risco desse espaço, que reúne os três poderes do Estado, desemboque num cenário de “desconstitucionalização” de direitos fundamentais alçados a cláusulas pétreas pela Carta Magna de 1988”, diz trecho da manifestação.
Entenda o impasse
No STF, a tese do marco temporal foi julgada em 21 de setembro de 2023 e, por nove votos a dois, a Corte a considerou inconstitucional. O relator foi o ministro Edson Fachin. No entanto, paralelamente ao julgamento no STF, passou a tramitar no Congresso, impulsionado pela bancada ruralista, um projeto de lei que determina um marco temporal para a demarcação das terras indígenas. O projeto foi aprovado na Câmara em 31 de maio de 2023, com 283 votos favoráveis, 155 contra e uma abstenção. Já o plenário do Senado aprovou o projeto na noite de 27 de setembro de 2023, por 43 votos a 21.
Inicialmente, o projeto foi vetado pelo presidente Lula, que tem seu governo contrário à tese. Porém, em 14 de dezembro, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente ao projeto de lei 2.903/2023, que estabelece a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Depois da promulgação da Lei, o PL, o PP e o Republicanos entraram com uma ação no STF em 28 de dezembro de 2023 para garantir a eficácia do marco temporal. Os partidos alegam que o Congresso exerceu sua competência legislativa ao validar a norma.
Depois da sessão do Congresso que derrubou o veto ao marco temporal, a Apib, o PSOL e a Rede protocolaram ações no STF para garantir a prevalência da decisão do STF, pedindo que a Corte declare a lei inconstitucional.
Para as entidades, a lei constitui o maior retrocesso aos direitos fundamentais dos povos indígenas desde a redemocratização do país. Argumentam que a norma implica não só o aumento da violência contra essa população, como também afeta toda a sociedade, pois acentua a degradação do meio ambiente e a crise climática.
A Apib e os partidos destacam ainda que a lei possui outras inconstitucionalidades, como alterar a Constituição Federal por meio de lei ordinária; suprimir o direito de consulta das comunidades indígenas, previsto na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e criar obstáculos ao processo de demarcação, em afronta ao princípio da eficiência e com o objetivo de impedir sua finalização.
O relator dos novos processos, ministro Gilmar Mendes, foi escolhido por meio de sorteio eletrônico. Em 22 de abril de 2024, o ministro determinou a suspensão de todos os processos que tratam da lei do Marco Temporal (14.701 de 2023) e a instauração de uma comissão especial com integrantes dos poderes Executivo e Legislativo e representantes da sociedade civil.
Os trabalhos da comissão iniciaram no dia 5 de agosto e a primeira reunião definiu o cronograma de audiências. A 2ª audiência foi realizada em 28 de agosto e em setembro as datas escolhidas foram 9 e 23 de setembro. Em outubro, as audiências de conciliação ocorreram nos dias 2, 14 e 23. Em novembro, as audiências serão realizadas nos dias 4, 11, 18 e 25.
A previsão é que a proposta final de acordo seja apresentada em dezembro. As propostas e encaminhamentos definidos serão levados aos 11 magistrados, para que possam ser analisados no julgamento das ações.
Participam da comissão os seguintes órgãos:
• Câmara dos Deputados (3 representantes)
• Senado Federal (3)
• Advocacia-Geral da União (1)
• Ministério da Justiça (1)
• Ministério dos Povos Indígenas (6)
• Fundação Nacional dos Povos Indígenas (1)
• Fórum de Governadores (1)
• Colégio Nacional de Procuradores de Estado (1)
• Confederação Nacional dos Municípios e Frente Nacional dos Prefeitos (uma vaga, indicada conjuntamente)
• Autores das ações discutidas no STF (cinco vagas, uma vaga para cada ação)
Também participam, apenas como observadores, representantes da Procuradoria-Geral da República, do Conselho Nacional de Justiça, da Ordem dos Advogados do Brasil e um membro de cada entidade admitida como terceiros interessados. Este grupo poderá participar das audiências, mas sem apresentar propostas.