O Ministério Público Federal (MPF) apresentou, nesta semana, as alegações finais no processo da Ação Penal 2.668, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e apura a participação de Jair Bolsonaro e aliados em uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O documento detalha a existência de uma organização criminosa articulada para abalar o Estado Democrático de Direito, envolvendo integrantes do alto escalão do governo e das Forças Armadas, além de apontar crimes como abolição violenta do Estado democrático, tentativa de golpe, dano ao patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado.
Organização e divisão dos réus
De acordo com o MPF, a denúncia envolve dezenas de nomes, incluindo ministros, generais, agentes da Abin, integrantes do governo anterior e o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro. O grupo foi dividido em diferentes núcleos, de acordo com o papel desempenhado em cada etapa da suposta trama golpista. Entre os principais réus estão Alexandre Ramagem Rodrigues, Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
As defesas preliminares apresentadas foram analisadas pela Primeira Turma do STF, que, por maioria, rejeitou as alegações e reconheceu a competência da Corte para julgar o caso. O colegiado também recebeu a denúncia do MPF por unanimidade, determinando a intimação da Câmara dos Deputados em relação aos crimes atribuídos ao deputado federal Alexandre Ramagem, praticados após sua diplomação.
A arquitetura da tentativa de golpe
No entendimento do MPF, a tentativa de golpe de Estado não se caracteriza por um ato isolado ou abrupto, mas por uma sucessão de eventos e articulações que, em conjunto, evidenciam o objetivo de manter Bolsonaro no poder mesmo após a derrota nas urnas. “Houve colocação em marcha do plano de operação antidemocrática, ofensiva ao bem jurídico tutelado pelo Código Penal”, sustenta o texto das alegações finais.
Os procuradores destacam que não é necessário que o presidente, pessoalmente, tenha assinado uma ordem explícita para romper a ordem constitucional; a tentativa se configura pelas ações concretas para subverter o resultado eleitoral, com o uso ou ameaça do uso da força. Segundo o MPF, todos os denunciados colaboraram, em maior ou menor grau, para a execução do plano, sendo a responsabilidade compartilhada por todos os episódios que compõem a narrativa criminosa.
Violência, incitação e instrumentalização do Estado
O documento do MPF destaca a presença de discursos públicos e atitudes que reforçaram a ameaça de violência, sobretudo por parte do então presidente, em ataques reiterados à legitimidade das urnas eletrônicas e das instituições, como STF e TSE. O objetivo, de acordo com o MPF, era animar apoiadores e criar ambiente propício para um rompimento institucional, promovendo o descrédito do sistema eleitoral e conclamando por medidas inconstitucionais.
Além da retórica, a Procuradoria aponta ações concretas, como o apoio a acampamentos em frente a quartéis — onde se pediam intervenção militar — e a instrumentalização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Rodoviária Federal para dificultar o acesso de eleitores de oposição às urnas. Segundo o órgão, “a utilização da força estatal para inibir direitos fundamentais dos cidadãos configura ato violento” e demonstra o uso do aparelho estatal para fins ilícitos.
O papel das Forças Armadas e o fracasso da consumação
Segundo o MPF, o golpe não foi consumado porque não obteve adesão dos comandos do Exército e da Aeronáutica, apesar das tentativas de cooptação. O órgão cita, ainda, a elaboração de minutas de decretos que previam intervenção sobre o Judiciário, prisões e substituição de autoridades, além de discurso pronto para ser proferido após a consumação do golpe.
O apogeu da violência, conforme o documento, ocorreu em 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação das sedes dos três Poderes, resultando em feridos e grandes prejuízos materiais, num movimento que teria contado com a “complacência determinante de órgãos de segurança pública do Distrito Federal”.
Defesas e próximo passo processual
As defesas dos réus apresentaram diferentes teses, como a falta de provas de participação ativa, atipicidade das condutas, ausência de dolo ou uso da violência e questionamentos sobre a competência do STF para julgar o caso. Algumas alegações enfatizam que determinados acusados já haviam deixado cargos no governo antes dos fatos narrados ou atuavam em campanhas eleitorais naquele período.
A Procuradoria, por sua vez, reforça que os fatos e provas constantes nos autos comprovam a articulação do grupo e a tentativa real de abalar o regime democrático. O próximo passo do processo será a análise detalhada dos atos processuais, das provas colhidas e das teses das defesas, com o julgamento final cabendo ao STF.