Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu na manhã desta terça-feira (27) cinco testemunhas de defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, no âmbito da Ação Penal 2628 que investiga a suposta tentativa de golpe de Estado. As oitivas foram conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação.
Os depoimentos revelaram detalhes sobre reuniões no Ministério da Justiça, operações da Polícia Rodoviária Federal durante as eleições de 2022 e alertas de inteligência nos dias que antecederam a invasão dos Três Poderes.
Investigado do 8 de janeiro depõe sobre operações da PRF
Djairlon Henrique Moura, diretor de operações da Polícia Rodoviária Federal em 2022, também prestou depoimento. Paulo Gonet alertou que ele é investigado no STF por possível participação nos atos de 8 de janeiro.
O ministro Alexandre de Moraes autorizou o depoimento, mas ressaltou o direito da testemunha ao silêncio e à não autoincriminação.
Djairlon relatou reunião realizada em 19 de outubro de 2022, com participação de Anderson Torres e diretores da PRF e PF, para discutir ações de policiamento e crimes eleitorais.
A testemunha negou qualquer direcionamento político, afirmando que a orientação era para que as equipes mais próximas atendessem ocorrências de crimes eleitorais até a chegada da PF.
“Não se tratou de nenhum tipo de plano nessa reunião, apenas um pedido para que as instituições colocassem o máximo de efetivo nas ruas”, afirmou em referência à reunião, dizendo que a orientação foi para todo o país e não para uma região específica.
Blitz em ônibus durante as eleições
Djairlon confirmou que foi solicitada por Torres operação para fiscalizar ônibus que saíam de São Paulo e do Centro Oeste com destino ao Nordeste. Segundo ele, a operação chamada Transporte Seguro ocorreu entre 21 e 27 de outubro de 2022, por suspeita de transporte irregular de eleitores e de valores.
“Foi solicitada a realização de uma operação antes da eleição dos ônibus que saíssem de SP e da região Centro-Oeste com destino ao Nordeste com votantes e recursos financeiros que já estavam em investigação pela PF”, afirmou.
No entanto, Djairlon classificou as fiscalizações como “prática muito comum” e informou que em mais de 60% dos veículos fiscalizados a abordagem não demorou mais que 15 minutos.
Ao justificar as ações da PRF mesmo após proibição do TSE, ele afirmou que foram emitidas resoluções para manter o transporte de passageiros e que houve orientação de “maior fiscalização independente da região”. Alegou ainda que parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sinalizou que a decisão do TSE não alcançaria a fiscalização de trânsito.
Falhas de inteligência antecederam 8 de janeiro
Saulo Moura da Cunha, nomeado diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em janeiro de 2023, detalhou uma série de relatórios emitidos pela Abin nos dias que antecederam os atos golpistas.
Segundo Cunha, diversos alertas de inteligência foram enviados a partir do dia 2 de janeiro para um grupo com o GSI, ministério da Defesa, ministério da Justiça e Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Segundo ele, “os primeiros alertas indicavam a convocação para a manifestação do dia 8”, mas até 7 de janeiro não foram enviados alertas para a Secretaria de Segurança Pública do DF.
A Abin começou a receber relatórios sobre caravanas vindas para Brasília apenas entre os dias 6 e 7 de janeiro. Somente no dia 7, a Secretaria de Segurança do DF criou um grupo com 15 agências federais, quando os alertas passaram a ser compartilhados amplamente.
O ex-diretor adjunto da Abin afirmou que a Agência “não recebeu de nenhum outro órgão alertas de inteligência”. Disse ainda, que foram enviados ao governo de transição relatórios sobre pessoas com discursos extremistas.
Analistas não previam invasão da Esplanada
Cunha revelou que até a manhã do dia 8, os analistas da Abin não tinham convicção se as manifestações desceriam para a Esplanada dos Ministérios. Entre os dias 2 e 5 de janeiro, perceberam desmobilização dos acampamentos, mas “a partir do dia 6, essa desmobilização recuou”.
A testemunha leu trecho de alerta que indicava a decisão dos manifestantes: “após discussão acalorada entre os acampados ficou decidido que os manifestantes partiriam em direção à Esplanada às 15h”. Os relatórios sobre mais de 100 ônibus deslocando-se para Brasília só foram enviados no final do dia 7.
Ainda de acordo com Saulo, fontes da Abin receberam a informação de que os manifestantes fizeram assembleia no domingo às 8h50, quando decidiram descer para a Esplanada.
Testemunha nega conhecimento sobre documento controverso
Braulio do Carmo Vieira, que trabalhou com Anderson Torres na Secretaria de Ações Integradas, foi o primeiro a depor. Ele confirmou a participação do ex-ministro em uma transmissão ao vivo em 29 de junho de 2021, convocada pelo então presidente Jair Bolsonaro. Segundo Vieira, Torres demonstrou “certo desconforto” por desconhecer o tema da live. Durante a transmissão, Bolsonaro questionou as urnas eletrônicas.
A testemunha afirmou que o documento lido por Torres na live foi elaborado por peritos criminais da Polícia Federal. Questionado pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, sobre o conteúdo do material e se atestava manipulação de votos, Vieira negou ter entregado o documento diretamente.
“Eu não tive acesso com integralidade. Não li o documento”, afirmou a testemunha também a Moraes ao negar conhecer o teor.
Diretor da PF nega conhecimento de plano golpista
Caio Rodrigo Pelim, então diretor de combate ao crime organizado da Polícia Federal e também investigado pelo STF, confirmou a realização de reuniões no ministério da Justiça para discutir ações eleitorais. Segundo ele, a orientação do ministro Anderson Torres era “manter policiamento ostensivo nas eleições e usar o máximo efetivo possível”.
Questionado sobre um possível plano insidioso ordenado por Anderson Torres, Pelim negou categoricamente conhecer “qualquer plano dessa natureza”, reforçando a linha de defesa que caracteriza as ações como procedimentos normais de segurança.
Ex-diretor da PF esclarece participação em testes de urnas
Luiz Flávio Zampronha, que ocupou o cargo de diretor da Polícia Federal entre abril de 2021 e março de 2022, prestou esclarecimentos sobre sua participação em audiência no Senado. Ele foi questionado pelo senador Esperidião Amin sobre pareceres elaborados por peritos sobre testes públicos de segurança das urnas eletrônicas.
Zampronha explicou que em todas as eleições os peritos e outras instituições são convidados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para participar dos testes das urnas, caracterizando o procedimento como prática rotineira do processo eleitoral brasileiro.
Próximos depoimentos
A audiência foi encerrada às 9h28, com a dispensa de uma testemunha pela defesa e a ausência de outra.
As oitivas continuam às 14h com mais oito testemunhas arroladas pela defesa de Anderson Torres, incluindo Thiago Andrade, Fabricio Rocha, Marcio Nunes, Leo Garrido de Salles, Alessandro Moretti, Marcos Paulo Cardoso, Victor Veiga Godoy e Cintia Queiroz de Castro.