Qualquer construtora que altere projeto de habitação popular para aumentar lucros, mesmo obtendo posteriormente o aval da prefeitura do município e tendo pago novas taxas, deixou de seguir o plano diretor municipal que previa na área outros tipos de moradia.
Sendo assim, independentemente do pagamento efetuado ao município, a empresa deve ser condenada por dano moral coletivo.
Foi esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, durante o julgamento do Recurso Especial (REsp) Nº 2.182.775 realizado pelos integrantes da 4ª Turma da Corte.
Os ministros negaram provimento ao pedido da Tatuí Santo André Empreendimento Imobiliário SPE Ltda, que queria mudar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O TJSP condenou a empresa ao pagamento de R$ 1 milhão, mas a construtora argumentou que não cabiam mais ressarcimento por dano moral ao caso.
Conforme consta nos autos, o projeto já tinha sido aprovado como Habitação de Mercado Popular (HMP), mas a construtora alterou a planta sem autorização e em desacordo com o estabelecido inicialmente. Dentre as mudanças, foi incluído um segundo banheiro nas unidades habitacionais (o que transformou um dos quartos em suíte).
A avaliação de técnicos foi de que com a alteração, a construtora elevou indevidamente o padrão do empreendimento, comprometendo o acesso da população de baixa renda à moradia e distorcendo a finalidade social do projeto.
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) ajuizou ação civil pública contra a construtora com o argumento de que a modificação violava o planejamento urbano do município e tinha como objetivo obter vantagem indevida, em prejuízo da coletividade.
O MP acrescentou que, como a alteração foi realizada depois da concessão do habite-se e da vistoria municipal, ficou comprovada a premeditação com o objetivo de aumentar o valor dos imóveis.
Pagamento de outorga
Em primeiro grau, o juízo condenou a construtora ao pagamento de indenização por dano moral coletivo de R$ 3,8 milhões. Ao julgar recurso da empresa, o TJSP manteve a condenação, mas reduziu o valor da indenização para R$ 1 milhão. Foi quando o caso subiu para o STJ
No Tribunal Superior, a Tatuí Santo André se justificou dizendo que não caberia condenação, porque após as mudanças feitas no projeto procurou a prefeitura, que enquadrou a obra em outra legislação e exigiu o pagamento de outorga onerosa.
Também alegou que a alteração do empreendimento não causou qualquer prejuízo à coletividade, nem gerou desequilíbrio ambiental ou econômico.
Mas ao avaliar o recurso, o relator do processo no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, ressaltou que a Lei Municipal 8.696/2004, de Santo André (SP), estabelece que projetos de HMP são destinados especificamente à população com renda entre seis e dez salários mínimos.
A mesma legislação, segundo ele, determina que tais habitações sejam limitadas a um banheiro e a uma vaga de garagem por unidade, o que permite ao empreendedor um aproveitamento maior do terreno.
Burlou fiscalização
De acordo com o ministro relator, a empresa responsável pelo empreendimento, após se beneficiar dos incentivos concedidos pelo enquadramento como HMP, deliberadamente modificou o projeto, aumentando de forma substancial o padrão dos imóveis.
“Ficou evidente o intuito de burlar a fiscalização e maximizar o lucro, em detrimento da função social da propriedade e do direito à moradia”, enfatizou o magistrado, no seu voto.
Ferreira classificou a conduta como grave por três motivos: fraude premeditada; uso indevido de incentivos urbanísticos voltados à habitação social; e descaracterização do programa.
“Tais circunstâncias ultrapassam a mera ilegalidade para configurar verdadeira afronta aos valores fundamentais que norteiam a política habitacional e o planejamento urbano”, enfatizou o magistrado, ao acrescentar que isso prejudicou para muitas famílias de baixa renda o direito à moradia digna constitucionalmente assegurado.
Dano moral coletivo
Para o ministro, o fato de a construtora ter violado valores fundamentais da sociedade já configura o dano moral coletivo e não há motivo para se falar em retirada dessa penalidade pelo fato de ter posteriormente pago algumas taxas.
“O dano moral coletivo prescinde da comprovação de dor ou sofrimento, bastando demonstração da gravidade da violação aos valores fundamentais”, ressaltou, ao frisar que a manutenção da condenação do TJSP é necessária para “reafirmar a intangibilidade dos valores sociais violados e desestimular condutas semelhantes”.