O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quinta-feira (5), o julgamento que discute a responsabilidade civil de plataformas digitais por conteúdos publicados por terceiros em suas redes. Os recursos questionam o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece a necessidade de decisão judicial para que as empresas sejam obrigadas a remover conteúdos ofensivos ou ilícitos. A análise foi retomada com a conclusão do voto do ministro André Mendonça, iniciado ontem.
O julgamento foi suspenso em dezembro de 2024, após os votos dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores dos recursos, e do ministro Luís Roberto Barroso (presidente), todos contrários à exigência de notificação judicial para retirada de conteúdo ofensivo.
Exclusão de aplicativos de mensagens privadas da discussão sobre responsabilidade
Ao retomar o voto, nesta quinta-feira, o ministro André Mendonça destacou que o Marco Civil da internet diferenciou apenas os provedores de conexão, dos provedores de aplicação. Por esse motivo, o ministro defende que é preciso delimitar a abrangência do tema em discussão.
Para Mendonça, é necessário excluir da análise os servidores de mensagens privadas e identificar peculiaridades dos aplicativos de busca, de comércio eletrônico ou marketplaces e as redes sociais. Ele sustentou que também deve ser feita a distinção da comunicação, se é de ordem subjetiva, qual é a sua natureza, se têm impacto para o público em geral, além de distinguir o papel da plataforma na sua programação.
Na sua avaliação, também é importante promover uma análise atenta que vai desde o tipo de serviço prestado até a dimensão e alcance das plataformas e identificar se a mensagem trata de personalidade pública ou privada, se o conteúdo tem teor científico, jornalístico, entre outros e, por fim, se foi espontânea, impulsionada e quem impulsionou.
Preservação da análise humana para ponderar valores em jogo
O ministro André Mendonça ressaltou que a transferência do poder de decisão sobre a moderação pode esvaziar a relevância do judiciário e demonstrou preocupação com a retirada indevida de conteúdos.
“Não vislumbro como transferir às plataformas e, por consequência, ao algoritmo, o dever de ponderar de modo automático e artificial os valores em disputa, especialmente quando um desses valores é a liberdade de expressão. Trata-se de direito fundamental que como visto é condição de possibilidade do próprio regime democrático e do Estado Democrático de Direito”.
Ao defender a independência e imparcialidade do magistrado, reforçou que o modelo atual de prestação jurisdicional, diante da infinidade de possibilidades, é a melhor solução encontrada para que o juiz possa decidir com a possibilidade de se expressar livremente e mostrar seu convencimento de forma motivada.
Liberdade de expressão
Mendonça afirmou que a liberdade de expressão é indispensável à defesa das demais liberdades e deve ter posição preferencial entre os direitos dos cidadãos. Ele destacou, ainda, sua importância para democracia. “Apenas numa sociedade na qual o cidadão seja livre para expressar a sua vontade, sem receio de reprimenda estatal, se pode falar em soberania popular”.
O ministro defendeu que, em caso de discursos com potencial para causar perigo claro e iminente a terceiros, o emissor deve ser responsabilizado: “na dúvida, há de prevalecer a posição preferencial deste direito, que é, ao mesmo tempo, fim em si mesmo e meio de concretização dos demais direitos fundamentais”, afirmou.
Mendonça reconheceu, ainda, como legítimo o direito cidadão de questionar e duvidar das instituições, como a justiça eleitoral, a qual classificou como “confiável e digna de orgulho”. “Se um cidadão brasileiro vier a desconfiar dela (justiça eleitoral), esse é um direito”. O ministro continuou: “no Brasil, é lícito duvidar da existência de Deus, de que o homem foi à Lua e também das instituições”.
Competência para discutir a matéria
O ministro também abordou a discussão sobre a competência do STF para julgar o tema. Segundo Mendonça, como o fenômeno das fake news agravou as crises institucional e democrática, a responsabilidade das plataformas deveria ser analisada pelo Congresso Nacional.
“Penso que ao assumir maior protagonismo em questão que deveria ser objeto de deliberação do Congresso Nacional, o Poder Judiciário acaba contribuindo, ainda que não intencionalmente, para o sentimento de desconfiança verificada em parcela significativa da sociedade. É preciso quebrar esse ciclo vicioso”, finalizou.
Discussão envolve dois recursos
O primeiro, RE 1037396 (Tema 987), tem como relator o ministro Dias Toffoli e foi interposto pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. A empresa questiona a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exige ordem judicial prévia para responsabilizar civilmente provedores, websites e gestores de aplicativos por danos causados por atos ilícitos de terceiros.
O segundo processo, RE 1057258 (Tema 533), relatado pelo ministro Luiz Fux, foi apresentado pela Google Brasil Internet Ltda. O recurso aborda especificamente se as empresas de tecnologia têm o dever legal de fiscalizar e moderar as publicações de seus usuários, bem como se é obrigatória a existência de ordem judicial para a remoção de conteúdo considerado ofensivo.