O Supremo Tribunal Federal voltou a discutir a linguagem neutra, também conhecida como linguagem inclusiva, em que se visa não demarcar gênero. Estão sendo analisadas, no plenário virtual, quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 1161, 1152, 1160 e 1151) que questionam leis dos municípios de Petrópolis (RJ), Belo Horizonte (MG), Novo Gama (GO) e Balneário Camboriú (SC). As leis vedam o uso de linguagem neutra nas instituições de ensino.
Nas ações, a Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas alegaram que as normas ferem a Constituição Federal. Argumentam que as leis ofendem os princípios da liberdade de expressão e da não discriminação, tendo em vista que a linguagem neutra é uma das formas de se combater preconceitos linguísticos contra minorias sociais e grupos vulnerabilizados e que a utilização de linguagem neutra não acarreta restrição ao direito de aprender a língua portuguesa conforme a norma culta.
As ADPFs 1161, 1152 são relatadas pela ministra Cármen Lúcia. No seu voto, ela apontou “lesividade e potencialidade danosa a preceitos fundamentais”. Ressaltou também que cabe à União a competência privativa para legislar sobre as diretrizes e as bases da educação nacional e considerou inconstitucionais as leis municipais de Petrópolis e Belo Horizonte que proíbem o uso da linguagem neutra nas escolas.
Para Cármen Lúcia, a proibição do uso da denominada “linguagem neutra” desatende a garantia da liberdade de expressão, manifestada pela proibição da censura, a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e, ainda, o princípio da isonomia previsto no caput do art. 5º da Constituição, pelo qual se estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Até o momento, Cármen Lúcia foi acompanhada pelo ministro Alexandre de Moraes. Já o ministro Cristiano Zanin abriu divergência.
Dignidade das pessoas
Nas ADPFs (1160 e 1151), o relator, ministro Dias Toffoli, também votou para declarar as leis do município de Novo Gama (GO) e Balneário Camboriú (SC), inconstitucionais.
Toffoli afirmou que a linguagem inclusiva expressa elemento essencial da dignidade das pessoas e que o tema já foi discutido pela Corte em outras ações.
“O STF já decidiu que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade e a expressão de gênero e que a identidade de gênero é a manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la”, diz o voto.
O ministro destacou que se torna mais grave o fato de a norma ser aplicada no contexto escolar, ambiente no qual, segundo a Constituição, devem imperar não apenas a igualdade plena, mas também a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Ele alertou que ao invalidar a lei não significa que a “linguagem neutra” possa (ou deva) ser adotada de imediato pelo município na grade curricular, no material didático e/ou em documentos oficiais, pois para isso é necessário uma regulamentação prévia, feita pela União e por meio de lei federal.