Por Hylda Cavalcanti
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) saiu na frente das demais Cortes superiores e divulgou nota, assinada por toda a sua diretoria, destacando o papel constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF) na defesa do Estado Democrático de Direito, das liberdades fundamentais e dos direitos humanos. Os ministros do STJ também afirmaram que a Corte considera “injustificáveis”, sob qualquer ângulo, tentativas de interferência sobre o seu funcionamento ou atuação dos seus integrantes.
A nota foi assinada pelo presidente do Tribunal superior, ministro Herman Benjamin, o vice-presidente da Corte e ao mesmo tempo corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Luis Felipe Salomão, e o corregedor nacional de justiça, ministro Mauro Campbell Marques. Contou ainda, com o endosso do diretor da Escola Nacional da Magistratura (Enfam), ministro Benedito Gonçalves.
Incabíveis “sob qualquer ângulo”
Responsável pelo julgamento de matérias que discutem questões infraconstitucionais, o STJ é considerado o segundo Tribunal mais importante do país, depois do STF. No documento, os magistrados acentuaram que consideram incabíveis interferências, “sob qualquer ângulo”. Destacando que estas podem ser de ordem política, nacional ou internacional, sobre o funcionamento e atuação independente dos seus integrantes, que são repudiadas mesmo assim.
O documento consiste num recado claro de repúdio às medidas adotadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no sentido de proibir a entrada naquele país de oito ministros do STF, assim como seus parentes.
“O Brasil é hoje uma vibrante democracia, com eleições e imprensa livres, instituições sólidas, separação de poderes e limites à atividade estatal decorrentes da presunção de inocência e do devido processo legal. Os princípios de uma sociedade democrática estão claramente consagrados na Constituição brasileira. O primeiro deles é a soberania, condição inegociável no Brasil e no mundo todo”, ressaltou a nota.
Os responsáveis pela administração do STJ também lembraram que os juízes federais e estaduais brasileiros são escolhidos “por mérito, após aprovação em dificílimo concurso público nacional”.
Violação ao Estado Democrático de Direito
“O Poder Executivo não controla – e seria impensável que assim pretendesse − o funcionamento do Poder Judiciário, seja para paralisar julgamentos, seja para orientar o resultado de julgamentos. No relacionamento com outros países, nos termos da Constituição de 1988, nosso comportamento se pauta pela igualdade entre nações, pela não-intervenção e pela solução pacífica de conflitos. Entre os princípios consagrados na Constituição, repita-se, está, logo no art. 1º, o respeito à soberania – a nossa e a dos outros”, acentuou o documento.
De acordo, ainda, com os magistrados do STJ, “ingerência interna ou externa na livre atuação do Judiciário contraria os pilares do Estado de Direito, pois significaria erodir a independência, a imparcialidade e a probidade que se requer dos juízes”. Eles explicaram que, da mesma forma, “pressionar ou ameaçar os julgadores (e seus familiares) na esperança de que mudem ou distorçam a aplicação do Direito fragiliza e deslegitima a essência de um padrão de justiça baseado na máxima de que a lei vale e deve valer, com o mesmo peso, para todos, sem privilégio e sem perseguição”.
A nota se encerra com uma ratificação de que os valores citados por eles “devem ser defendidos, hoje e sempre” e a ênfase de que “no Brasil, as decisões dos tribunais com competência nacional são tomadas ou confirmadas de maneira colegiada”. “Além disso, o nosso processo civil e penal prevê um amplo leque de recursos. Há, portanto, robustos mecanismos de pesos e contrapesos que asseguram a integridade e a seriedade do sistema judicial”, acrescentaram os signatários do documento, representando todos os ministros da Corte.
STJ saiu na frente
Desde a última segunda-feira (21/07), vários jornalistas vinham pedindo posições ou declarações oficiais de magistrados de outros Tribunais sobre as medidas impostas aos ministros do STF, mas todos vinham preferindo se manter quietos. A posição do STJ de partir em defesa do STF e de criticar as medidas do governo dos EUA, além de inédita, marcou um passo adiante que tende a se repetir nos demais Tribunais Superiores em defesa do Judiciário brasileiro, conforme analisaram advogados e outros magistrados.
O presidente dos EUA divulgou as medidas contra os ministros do STF horas depois de o ex-presidente Jair Bolsonaro ter sido alvo de uma operação da Polícia Federal (PF), que realizou buscas e apreensões em sua residência e na sede do PL, na última semana. A mesma operação também determinou a utilização de tornozeleira eletrônica e recolhimento noturno entre 19h e 6h para Bolsonaro.
As medidas cautelares foram determinadas no inquérito no qual o filho do ex-presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), é investigado por sua atuação junto ao governo dos Estados Unidos, com o objetivo de promover medidas de retaliação contra o governo brasileiro e ministros do STF e tentar barrar o andamento da ação penal sobre tentativa de golpe arquitetada por bolsonaristas logo após o final das eleições de 2022.