Por Hylda Cavalcanti
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de julgamento da sua 4ª turma, decidiu que não cabe pagamento de indenização por dano moral pela Editora Abril ao presidente Lula em função da capa de uma das edições da Revista Veja, veiculada em 2015, que apresentou uma montagem com o presidente — na época ex-presidente — no corpo de um presidiário.
Os ministros que integram o colegiado consideraram que, por se tratar de uma figura pública, Lula está sujeito a críticas mais incisivas, principalmente quando relacionadas a fatos de interesse jornalístico. Num julgamento demorado e permeado por muitos debates, eles destacaram que o dano à imagem costuma acontecer a partir do confronto entre o caso concreto e a forma representativa desse dano.
Liberdade de expressão
Enfatizaram, também, que é preciso destacar as limitações que os veículos de imprensa devem ter em relação ao direito à honra, à imagem e à privacidade das pessoas, mas ao mesmo tempo, é preciso defender “a primazia da liberdade de expressão”.
Na montagem feita pela revista, as listras do uniforme de presidiário foram substituídas por nomes de investigados, acompanhada do título: “Os ‘chaves de cadeia’ que cercam Lula. Ele sempre escapou dos adversários, mas quem o está afundando agora são parentes, amigos, petistas e doadores de campanha investigados por corrupção.”
Na ação, o presidente alegou que houve ofensa à sua honra. O relator do recurso no STJ — um Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial (AgInt nos EDcl no REsp) Nº 1.824.219 — ministro João Otávio de Noronha, votou para que os argumentos apresentados pela defesa de Lula fossem rejeitados e mantido o entendimento de primeira e segunda instâncias.
Crítica “irônica e contundente”
De acordo com o magistrado, após avaliação do caso, “a capa da revista não ultrapassou os limites da liberdade de imprensa, embora tenha feito uma crítica irônica e contundente”. “A publicação divulgou uma imagem vinculada a fatos de interesse público no contexto das investigações da Lava Jato, envolvendo pessoas próximas ao então ex-presidente”, acrescentou.
O ministro Noronha afirmou, também, no seu relatório/voto, que o STJ possui jurisprudência no sentido de que “pessoas públicas estão sujeitas a maior grau de escrutínio por parte da imprensa, justamente pelo papel que exercem na sociedade”. Em razão disso, ele considerou que não houve abuso ou intenção de difamar, mas sim o “exercício legítimo da atividade jornalística”. “A liberdade de imprensa, embora não seja absoluta, deve prevalecer quando exercida com base em informações verossímeis e em contexto de relevância pública”, disse no seu voto.
Voto divergente
A posição de Noronha foi acompanhada na Turma pelos ministros Isabel Gallotti e Raul Araújo. O voto do ministro Antônio Carlos Ferreira foi divergente. Ele defendeu que a publicação “não se limitou ao exercício da liberdade de imprensa e ultrapassou os limites da crítica legítima. Ao associar a imagem do autor da ação [Lula] a uma caricatura de presidiário, a publicação acabou por imputar-lhe, de forma direta, uma conduta criminosa, atingindo sua honra de maneira desproporcional”, enfatizou Ferreira.
O ministro responsável pelo voto divergente disse que, no caso concreto, é cabível a condenação por danos morais à editora, “pois a montagem extrapolou o dever de informar e gerou ofensa pessoal indevida”, destacou. Mas terminou sendo voto vencido.
Primeira e segunda instâncias
O processo foi ajuizado, na origem, na Justiça de São Paulo, onde os advogados do então ex-presidente Lula argumentaram que a revista retratou “uma mentira com o objetivo de denegrir e enxovalhar a sua honra e imagem, em claro desrespeito à Constituição”. A Editora Abril, responsável pela Veja, afirmou que a imagem consistiu na “expressão da sociedade manifestada nas ruas” e que se constituía em “fato jornalístico, sendo legítima a sua abordagem crítica”.
Em primeira instância, a juíza Luciana Bassi de Melo, da 5ª Vara Cível do Fórum de Pinheiros (SP), rejeitou o pedido de indenização. Para a magistrada, apesar de não haver consenso em torno das “críticas fortes e termos depreciativos utilizados na capa e na reportagem, as críticas guardam pertinência com os fatos de interesse público”. A defesa de Lula recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), onde a 10ª Câmara de Direito Privado manteve a decisão. Foi quando os advogados interpuseram recurso junto ao STJ.