Da redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por maioria de votos validar procedimentos que permitem a perda da posse e propriedade de bens em contratos inadimplentes sem a necessidade de participação do Poder Judiciário. A decisão autoriza instituições financeiras a retomar veículos e executar imóveis hipotecados diretamente através de cartórios, representando uma mudança significativa nas relações entre credores e devedores no país.
A decisão foi tomada em sessão virtual durante o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7600, 7601 e 7608. Estas ações foram propostas por entidades representativas de oficiais de justiça e magistrados, que questionavam pontos controversos do Marco Legal das Garantias, estabelecido pela Lei 14.711/2023, alegando possível inconstitucionalidade dos novos procedimentos.
Bancos podem retomar veículos através de cartórios
O Marco Legal das Garantias introduziu mudanças estruturais na forma como instituições financeiras podem recuperar bens dados em garantia. A nova legislação permite que bancos e empresas de crédito retomem bens móveis, especialmente veículos, que estejam como garantia em contratos de alienação fiduciária através de procedimentos realizados exclusivamente em cartórios, sem necessidade de ação judicial.
Nos contratos com alienação fiduciária, o devedor mantém o direito de posse direta do bem até quitar integralmente o financiamento, mas o credor permanece como proprietário legal com posse indireta. Esta estrutura jurídica permite que a instituição financeira retome o bem automaticamente em caso de inadimplência, seguindo os procedimentos estabelecidos pela nova lei.
A legislação também autoriza a contratação de empresas especializadas na localização de bens, ampliando as ferramentas disponíveis para credores recuperarem seus ativos.
Ministro Dias Toffoli defende imparcialidade dos cartórios
O ministro Dias Toffoli, relator do caso, defendeu que os procedimentos retirados da alçada exclusiva do Judiciário podem ser executados adequadamente por cartórios sem prejuízo às partes envolvidas. Segundo sua argumentação, os agentes cartorários atuam com imparcialidade suficiente para garantir a lisura dos procedimentos, oferecendo segurança jurídica comparável à supervisão judicial.
Toffoli enfatizou que os novos procedimentos mantêm garantias fundamentais aos devedores, incluindo notificação obrigatória que oferece oportunidade para quitação da dívida ou contestação de cobranças consideradas indevidas. O ministro destacou ainda que, em caso de controvérsia sobre a legitimidade da cobrança, permanece disponível o acesso ao Poder Judiciário para resolução do conflito.
O relator também estabeleceu limites claros para os procedimentos de busca e apreensão, proibindo expressamente atos de perseguição contra devedores e seus familiares. As empresas especializadas e cartórios ficam restritos ao uso de dados públicos, e os agentes devem atuar com cordialidade, sendo vedado o uso de força física ou psicológica para constranger devedores.
Maioria dos ministros acompanha posição do relator
A decisão do STF contou com amplo apoio entre os ministros, com Toffoli sendo acompanhado integralmente por Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Nunes Marques e Luís Roberto Barroso. O ministro Flávio Dino acompanhou a posição do relator, porém com ressalvas que não foram especificadas na decisão divulgada.
A única divergência veio da ministra Cármen Lúcia, que considerou inconstitucionais os procedimentos extrajudiciais de busca, apreensão e alienação de bens de propriedade ou sob posse do devedor. Sua posição minoritária reflete preocupações sobre possíveis violações ao devido processo legal e ao direito de defesa dos devedores.