O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou vários processos neste semestre relacionados a problemas ambientais observados no país. E muitas das vezes ou consolidou entendimentos ou aperfeiçoou a sua jurisprudência, tanto em itens como responsabilidade da administração pública, como também na prevenção, precaução e responsabilização por dano moral coletivo em casos voltados para o tema.
O STJ usou muito, ao longo deste primeiro semestre, a aplicação da Súmula 652, segundo a qual a responsabilidade civil da administração pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária.
O que significa dizer que a responsabilidade ambiental do ente público que se omite do dever-poder de controle e fiscalização é objetiva, solidária e ilimitada, mas a sua execução é de natureza subsidiária.
Dessa forma, o ente só pode ser chamado quando o degradador original, direto ou material (devedor principal) não quitar a dívida, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade de cumprimento da prestação imposta pela Justiça, assegurado, sempre, o direito de regresso.
Sem fato consumado
Em março passado, a 2ª Turma do STJ reforçou o entendimento que a teoria do fato consumado é inaplicável em matéria ambiental, conforme, inclusive, afirma a Súmula 613 da Corte. Assim, inexiste direito adquirido de poluir, de forma que a antropização (ação do ser humano sobre o meio ambiente) da área se mostra irrelevante para a solução de lide que discute dano ambiental cometido por degradador individual.
A posição foi relacionada a processo em que os magistrados determinaram a demolição de uma construção em Área de Preservação Permanente, ainda que se tratando de obra de pequena extensão, em razão da vedação de que conduta ilegal que beneficie seu próprio responsável.
A decisão do tribunal de origem tinha sido oposta e rejeitado o pedido de demolição e restauração ambiental da área, sob o fundamento de que a área em que o dano ocorreu seria antropizada. O STJ, contudo, refutou tal entendimento.
Prevenção e precaução
Também em março, a mesma Turma do Tribunal restabeleceu sentença que condenou um clube e um restaurante por lançamento irregular de esgoto no estuário do rio Capibaribe, em Recife (PE).
Ao reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que havia afastado a condenação em virtude da falta de perícia sobre os eventuais danos ambientais, o colegiado considerou que a violação dos princípios da prevenção e da precaução é suficiente para que os poluidores sejam condenados a ressarcir os prejuízos ao meio ambiente.
Na análise do processo, o relator, ministro Francisco Falcão, destacou que a Constituição estabelece que a obrigação de proteção ao meio ambiente não é encargo apenas do poder público, mas de toda coletividade. Ele também citou, ainda, a Lei 6.938/1981, que estabelece que os poluidores são responsáveis pela indenização ou pela reparação do dano ambiental, independentemente da existência de culpa.
O ministro apontou que a responsabilidade civil por danos ambientais, nesse caso, fundamenta-se na teoria do risco administrativo e decorre do princípio do poluidor-pagador, que imputa ao poluidor – aquele que internaliza os lucros – a responsabilização pelo impacto causado ao meio ambiente.
Em outra decisão, da 4ª Turma, o STJ defendeu que a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente não é uma discussão restrita à esfera do direito público, sendo objeto de processos no campo do direito privado e do direito penal.
Dano moral coletivo
Mas um dos itens mais relevantes deste último semestre foi o estabelecimento, em maio passado, de sete critérios pelos ministros do STJ a serem aplicados, a partir de agora, na análise dos processos sobre crimes ambientais em tramitação na Corte, para determinar se houve dano moral coletivo em razão de desequilíbrio ambiental.
Tais critérios passam por questões que envolvem desde a constatação de conduta ofensiva à natureza, a danos provocados por ações e omissões lesivas que possam ser aferidos de maneira objetiva e presumida — sem que estejam atrelados a análises subjetivas de dor, sofrimento ou abalo psíquico da coletividade.
O objetivo dos parâmetros estabelecidos é eliminar a necessidade de provar que toda a sociedade foi prejudicada, nos casos de crimes ambientais, sempre que houver desequilíbrio comprovado em algum bioma brasileiro.
Isto porque, conforme o entendimento pacificado pelos ministros do colegiado, esse tipo de análise deverá ser feita a partir do contexto geral do país. Em outras palavras, uma pequena ação, que individualmente não causa grande impacto, pode gerar dano moral ambiental se integrar um conjunto de agressões impactantes.
Dano presumido
De acordo com o voto da relatora dos parâmetros no STJ, ministra Regina Helena Costa, o dano moral coletivo será presumido se o ilícito for praticado nos biomas listados no artigo 225 da Constituição Federal, por merecerem proteção especial. Além disso, a possibilidade de recuperar o meio ambiente naturalmente ou por ação humana não será suficiente para anular a ocorrência do dano moral.
O dano moral somente poderá ser afastado, conforme destacou a magistrada, se o próprio ofensor mostrar que ele não ocorreu (quer dizer, nestas circunstâncias, o ônus de provar passa a ser invertido).
A consolidação do entendimento com a definição dos parâmetros está sendo vista como uma posição importante dos ministros do STJ — que aos poucos estão abrindo exceções, no caso de acusações de agressores ao meio ambiente, à aplicação da Súmula 7 do Tribunal, segundo a qual “não cabe recurso especial pela simples interpretação de prova”.
Antes, a condenação por dano moral ambiental era tida como inviável por parte do STJ, por depender de análise de fatos e provas. Com a nova posição, o Tribunal passa a admitir que essa questão pode ser resolvida a partir dos critérios utilizados para estabelecer a presunção do dano.