O Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou maioria de seis votos favoráveis à flexibilização das regras de remoção de conteúdo ofensivo nas redes sociais. O julgamento, que discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, foi retomado nesta quinta-feira(12) com o voto do ministro Alexandre de Moraes. Ainda faltam os posicionamentos de Cármen Lúcia, Edson Fachin e Nunes Marques.
A mudança representa um marco na relação entre big techs e justiça brasileira, alterando fundamentalmente como plataformas como Facebook, Instagram, X (antigo Twitter) e YouTube lidarão com denúncias de conteúdo inadequado. Atualmente, o artigo 19 do Marco Civil obriga essas empresas a aguardar ordem judicial antes de remover publicações denunciadas, mas a nova interpretação do STF permitirá remoções mais ágeis em diversos casos específicos.
Revolução na moderação digital brasileira
O posicionamento majoritário dos ministros reflete o entendimento de que a legislação atual, criada há mais de uma década, tornou-se inadequada diante da evolução tecnológica. Segundo os magistrados, a revolução no modelo de utilização da internet, com o uso massivo de redes sociais e aplicativos de mensagens, demanda regras mais flexíveis para proteger adequadamente os usuários.
Para os relatores Dias Toffoli e Luiz Fux, a exigência absoluta de notificação judicial para retirada de conteúdo ofensivo é completamente inconstitucional. Já os ministros Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes consideram a norma apenas parcialmente inconstitucional, defendendo que a obrigação judicial deve ser mantida em situações específicas.
A principal preocupação dos ministros favoráveis à manutenção parcial das regras atuais concentra-se nos crimes contra a honra, onde entendem que a dispensa total da ordem judicial poderia comprometer excessivamente a proteção à liberdade de expressão.
Sistema inovador de quatro regimes
O ministro Gilmar Mendes apresentou a proposta mais inovadora do julgamento, criando um sistema complexo que divide a responsabilização das empresas em quatro modalidades distintas. Essa abordagem sofisticada busca equilibrar a proteção aos direitos fundamentais com a necessidade de agilidade na moderação digital.
O regime residual manteria as regras atuais apenas para crimes contra a honra e conteúdo jornalístico, preservando a exigência de ordem judicial nesses casos sensíveis. O regime geral seguiria o artigo 21 do Marco Civil, responsabilizando plataformas que permaneçam inertes após receber notificação sobre conteúdo reconhecidamente ilícito.
Para anúncios pagos e conteúdo impulsionado, Mendes propôs um regime de presunção que dispensaria notificação prévia, reconhecendo a natureza comercial desse tipo de publicação. O regime especial, mais rigoroso, aplicaria responsabilização solidária imediata para conteúdos considerados graves, incluindo discurso de ódio, ameaças contra autoridades, crimes envolvendo crianças e condutas antidemocráticas.
André Mendonça mantém posição isolada
Em posicionamento solitário até o momento, o ministro André Mendonça defendeu a manutenção integral do artigo 19, argumentando que a regra atual é plenamente constitucional. Para Mendonça, as plataformas digitais possuem legitimidade suficiente para defender tanto a liberdade de expressão quanto o direito de preservar suas próprias regras de moderação.
O ministro isolado entende que a atual obrigatoriedade de aguardar decisão judicial antes de remover conteúdo denunciado oferece proteção adequada aos direitos fundamentais. Sua posição contrasta com a maioria dos colegas, que consideram o sistema atual insuficiente para lidar com os desafios contemporâneos da moderação digital.
A divergência de Mendonça também se baseia na defesa da autonomia das empresas de tecnologia para estabelecer e manter suas políticas internas de moderação, sem interferência excessiva do Poder Judiciário.
Critérios diferenciados para aplicação
O ministro Cristiano Zanin estabeleceu critérios específicos para a aplicação das novas regras, criando distinções importantes entre diferentes tipos de conteúdo. Sua proposta prevê a dispensa de ordem judicial em casos envolvendo postagens inequívocas de crimes contra a honra, especialmente quando já existe condenação criminal por calúnia, injúria ou difamação.
Por outro lado, Zanin defende a manutenção da exigência judicial em situações que apresentem dúvida legítima ou que se enquadrem em uma “zona cinzenta”, onde a caracterização do ilícito não seja clara. Essa abordagem busca equilibrar agilidade na remoção de conteúdo claramente prejudicial com proteção contra censura excessiva.
A modulação de efeitos proposta por Zanin, com apoio da maioria dos ministros, estabelece que a nova interpretação só valerá após o julgamento final, protegendo empresas como Facebook e Google de condenações baseadas nas regras anteriores.