O Tribunal de Justiça do Espírito Santo permitiu que uma família de Vitória incluísse na certidão de nascimento do filho de 10 anos o registro de três pais e uma mãe. A decisão, que saiu no dia 21 de janeiro, autoriza o casal homoafetivo de tios que mora com a criança a também ter o nome registrado junto ao dos pais biológicos. Além dos nomes no documento, a guarda do menor também passa a ser compartilhada de forma legal.
A advogada Ana Paula Morbeck, que representa a família, explica que a criança nasceu e teve seu registro regular de mãe e pai biológicos. Mas por terem uma relação conjugal complexa, os pais contavam com a ajuda constante do tio paterno da criança e de seu marido.
Com o rompimento definitivo da relação conjugal dos pais biológicos da criança, ela passou a viver de forma integral com o casal homoafetivo.
A ação de reconhecimento de dupla paternidade socioafetiva foi pedida em 2019. Segundo a advogada, o pedido para incluir os pais homoafetivos na certidão de nascimento partiu da própria criança, após o ingresso dela na escola e o entendimento de suas relações familiares.
Na primeira instância o pedido foi negado, em 2022, mas os pais entraram com uma apelação e o caso foi para o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), que julgou a ação favorável por unanimidade. A inserção dos nomes na certidão deve levar de 15 a 30 dias úteis.
Decisão inovadora
Ana Paula Morbeck ressalta que a paternidade e maternidade socioafetiva já são uma realidade nos tribunais. Mas por se tratar de um caso bem específico é uma decisão inovadora.
“A grande questão que diferencia o caso vertente é sobre a configuração desta família específica, onde se apresentam três pais e uma mãe”, afirmou.
“Uma decisão como essa reconhece que as famílias comportam várias formas, vários tipos e fortalece os vínculos de afeto. Isso dá segurança jurídica, inclusão, diversidade, acolhimento e dignifica toda a sociedade”, destacou.
O tema foi consolidado, em 2019, pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 890.060, com repercussão geral (Tema 622 ). A Corte decidiu que a paternidade socioafetiva não impede, necessariamente, que o vínculo biológico também seja reconhecido no registro.
Necessidade
A regulamentação da filiação se tornou uma necessidade por questões que precisavam de comprovação do registro, como por exemplo idas ao médico, viagens e questões escolares. Além de resolver o lado burocrático, a decisão traz alívio para a família, que comemorou.
“Um dos pais socioafetivos, ao receber a notícia do provimento da apelação, disse que finalmente ele, o marido e a criança foram enxergados pelo Estado e que dessa forma seu filho poderá ter mais segurança para transitar e viver nesse mundo, com menos medo de se apresentarem como núcleo familiar.
A advogada destaca a sensibilidade do julgamento que, segundo ela, refletiu a realidade da criança.
“O que foi levado em consideração no julgamento, com arrimo no belíssimo trabalho da equipe multidisciplinar e da perita assistente técnica que atuou no processo, foi a realidade da vida vivida, a condição da criança, o cerco de amor, afeto e cuidado que a criança desfruta ao lado dos pais socioafetivos, não deixando dúvidas sobre a sua estrutura familiar com três pais e uma mãe na sua vida”.