Por Hylda Cavalcanti
A cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos de adesão pode ser considerada nula quando representar obstáculo ao acesso do consumidor brasileiro à Justiça. Esse entendimento foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Para os ministros, obrigar o consumidor a buscar seus direitos em tribunais estrangeiros representaria um “ônus desproporcional”, diante da “distância geográfica, das barreiras linguísticas, das diferenças procedimentais e dos custos elevados”.
Acesso inviável
O caso foi julgado pela 4ª Turma do STJ, a partir do Recurso Especial (REsp) Nº 2.210.341. Na origem, foi ajuizada ação em primeira instância por uma consumidora brasileira contra a empresa estrangeira de apostas online Eu Lotto Ltda. O juiz decidiu pela nulidade da cláusula de eleição de foro.
A empresa recorreu ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que manteve o mesmo posicionamento. De acordo com os desembargadores do TJCE, além de se tratar de um contrato de adesão, a cláusula que estipulava o foro de Gibraltar, na Península Ibérica, para resolução de qualquer pendência entre as partes tornaria inviável o acesso da autora da ação ao Judiciário.
Questionamento sobre competência
O caso, então, subiu para o STJ, onde a empresa argumentou que a Justiça brasileira não teria competência para julgar o processo, uma vez que, pelos termos contratuais, qualquer disputa deveria ser resolvida em Gibraltar, onde ela está sediada.
Acrescentou também, no recurso, que não possui domicílio, agência ou filial no Brasil, e que a cláusula de eleição de foro deveria prevalecer, conforme os artigos 25 e 63, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil (CPC), que têm como objetivo proteger o réu e evitar abusos processuais.
Avaliação cabe ao magistrado
Para o relator do recurso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, “embora o artigo 25 do CPC admita, em regra, a validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos internacionais, o parágrafo 2º desse dispositivo impõe a observância do artigo 63, parágrafos 1º a 4º, que permite ao juiz declarar de ofício a ineficácia da cláusula abusiva”.
“À luz do princípio da vulnerabilidade previsto no artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o consumidor deve ser reconhecido como a parte mais fraca da relação jurídica, o que impõe que seja protegido contra práticas que restrinjam ou inviabilizem o exercício de seus direitos”, destacou o magistrado.
Ferreira também enfatizou que “essa vulnerabilidade se revela de maneira ainda mais acentuada nas relações de consumo transnacionais realizadas em ambiente digital”.
Critérios reconhecidos
Segundo ele, para se declarar a nulidade de cláusula de eleição de foro estrangeiro, é necessário que o contrato seja de adesão, que o consumidor seja hipossuficiente e que haja efetiva dificuldade de acesso à Justiça.
O ministro afirmou ainda que, no caso em questão, todos esses critérios foram devidamente reconhecidos, “justificando a invalidação da cláusula, a qual não foi objeto de negociação específica, tendo sido imposta unilateralmente pela empresa provedora do serviço”. O resultado foi unânime, entre os demais ministros que integram a Turma.
-Com informações do STJ