O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar se é lícita a contratação civil de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para prestação de serviços. A questão é discutida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, que teve a repercussão geral reconhecida (Tema 1.389).
Os ministros também devem definir se cabe à Justiça do Trabalho ou à Justiça comum julgar causas em que se discute fraude nesse tipo de contrato, além de estabelecer se o ônus de provar é do trabalhador que pleiteia o reconhecimento do vínculo empregatício ou da empresa contratante.
Caso concreto
A discussão sobre a licitude de contratação de autônomo e pessoa jurídica, neste caso, tem como origem em uma reclamação trabalhista movida por um corretor de seguros que busca o reconhecimento de vínculo empregatício com a Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A. no período de 2015 a 2020. O trabalhador alega que, apesar de formalmente contratado como autônomo sob regime de franquia de corretagem, na prática, sua relação com a empresa apresentava todos os elementos característicos de uma relação de emprego.
Em primeira instância, a 14ª Vara do Trabalho de Curitiba julgou o pedido improcedente, entendendo que a empresa não havia oferecido ao corretor uma vaga de emprego, mas um contrato de franquia de corretagem, modalidade legítima de contratação civil. No entanto, ao analisar o recurso, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9) reformou a sentença e reconheceu a existência de vínculo empregatício entre as partes.
A empresa recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), que reverteu a decisão do TRT-9 e declarou a licitude do contrato de franquia, afastando a relação de emprego. Para fundamentar sua decisão, o TST aplicou a tese fixada pelo próprio STF no Tema 725 de Repercussão Geral e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, que reconheceu a licitude da terceirização e das diferentes formas de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas.
Alcance da decisão vai além da terceirização
Ao recorrer ao STF, o corretor argumenta que seu caso é distinto dos precedentes da Corte sobre terceirização, pois ficaram caracterizados os requisitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para o reconhecimento de vínculo empregatício, como subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade.
O ministro Gilmar Mendes, em sua manifestação, destacou que a controvérsia constitucional não se restringe ao caso concreto e possui evidente relevância jurídica, social e econômica. “A solução a ser dada pelo Supremo por meio da decisão com efeito vinculante contribuirá para pacificar a questão em todo o país”, afirmou o ministro.
Mendes ressaltou ainda que a discussão não se limita ao contrato de franquia examinado no caso específico, mas abrange todas as modalidades de contratação civil e comercial, como contratos com representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, profissionais de tecnologia da informação, motoboys e entregadores.
Divergência sobre competência judicial
O STF também deve decidir de quem é a competência para julgar as causas em que se discute fraude em contratos civis de prestação de serviços quando o trabalhador alega a existência de relação de emprego disfarçada. O ministro Gilmar Mendes observou que não há consenso no próprio Supremo sobre essa questão.
“Em algumas oportunidades, a Corte tem reconhecido a competência da Justiça comum para analisar esses casos, afastando a jurisdição trabalhista. Assim, é necessário submeter essa questão preliminar à análise do Plenário”, explicou o ministro.
A Justiça do Trabalho tem sido o ramo do Judiciário responsável por julgar casos em que se discute a existência ou não de vínculo empregatício. No entanto, decisões recentes do STF têm reconhecido a competência da Justiça comum para analisar contratos civis de prestação de serviços, mesmo quando se alega fraude.
Ônus da prova na alegação de fraude
Outro aspecto de extrema relevância a ser decidido pelo STF é quem deve arcar com o ônus de provar a existência ou não de fraude no contrato civil de prestação de serviços. A decisão definirá se cabe ao trabalhador comprovar a alegada existência de relação de emprego disfarçada ou se, ao contrário, é a empresa contratante que deve demonstrar a licitude da contratação civil.
A definição sobre essa questão pode ter impacto em ações trabalhistas que buscam o reconhecimento de vínculo empregatício em situações de contratação formalmente civil ou comercial.
Processos suspensos
No dia 14 de abril, Gilmar Mendes suspendeu a tramitação de todos os processos sobre a chamada “pejotização” até o julgamento definitivo da questão. Na decisão, o ministro entendeu que a medida impedirá a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria, privilegiando o princípio da segurança jurídica, além de desafogar o STF, permitindo que cumpra seu papel constitucional e aborde outras questões relevantes para a sociedade.
A data para o julgamento do mérito ainda não foi definida.