Da redação
A Advocacia-Geral da União (AGU) firmou acordo judicial que prevê o pagamento de cerca de R$ 3 milhões em indenização à família do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nas dependências do DOI-CODI em São Paulo, em outubro de 1975, durante a ditadura militar. O pacto foi assinado no âmbito de processo judicial proposto este ano pela família contra a União e representa um marco na reparação histórica de crimes cometidos pelo regime autoritário brasileiro.
O acordo, realizado em menos de cinco meses após o ajuizamento da ação, prevê não apenas o pagamento de indenização por danos morais, mas também valores retroativos da reparação econômica em prestação mensal e continuada. Atualmente, essa prestação já é paga à viúva do jornalista, Clarice Herzog, em decorrência de liminar concedida anteriormente pela Justiça Federal. Além do montante total de R$ 3 milhões, a família manterá o direito à prestação mensal.
Compromisso governamental com direitos humanos
O advogado-geral da União, Jorge Messias, destacou que o acordo demonstra o compromisso da AGU com a reparação de graves violações cometidas contra cidadãos durante o período ditatorial iniciado com o golpe de Estado de 1964. Para Messias, a reparação à família de Vladimir Herzog promove justiça em relação a um dos episódios mais lamentáveis e bárbaros do regime de exceção no país.
“Além de promover justiça histórica, este acordo é mais uma mostra da inequívoca disposição do atual governo federal de promover os direitos humanos, a memória e a verdade históricas”, afirmou o advogado-geral. A declaração reflete uma mudança de postura do Estado brasileiro em relação aos crimes da ditadura, especialmente após décadas de tentativas de silenciamento sobre o período.
O acordo também se insere na estratégia da AGU de promover a cultura da consensualidade na resolução de litígios entre a sociedade e o Estado. Messias citou outros casos de sucesso mediados pela instituição, como os acordos para titulação de terras quilombolas em Alcântara, no Maranhão, e a reparação dos danos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, Minas Gerais.
Base legal e construção consensual do acordo
A construção do acordo foi conduzida pela Coordenação Regional de Negociação da 1ª Região, em conjunto com a Procuradoria Nacional da União de Negociação da AGU (PNNE/PGU/AGU). A base legal utilizada para o pacto fundamentou-se na Constituição Federal e na Lei nº 10.559/2002, que regulamenta o regime do anistiado político no Brasil.
A procuradora-geral da União, Clarice Calixto, enfatizou o significado simbólico do acordo, relacionando-o às próprias palavras do jornalista assassinado. “Com esse acordo, demonstramos que somos capazes de nos importar, de nos indignar profundamente”, declarou Calixto, fazendo referência a uma reflexão de Herzog sobre a importância de se indignar com atrocidades.
“Construímos, portanto, uma resposta à altura da provocação do jornalista Herzog, que dizia que quando perdemos a capacidade de nos indignar com as atrocidades praticadas contra outros, já não podemos nos considerar seres humanos civilizados”, concluiu a procuradora-geral, evidenciando como o legado intelectual de Herzog continua relevante nas discussões contemporâneas sobre direitos humanos.
Cerimônia simbólica marca homenagem ao jornalista
O acordo será encaminhado pela AGU à Justiça Federal para homologação, seguindo os trâmites processuais necessários. No próximo dia 26 de junho, véspera da data em que Vladimir Herzog completaria 88 anos, será realizado ato simbólico de celebração do acordo na sede do Instituto Vladimir Herzog (IVH), localizado na Rua Duartina, 283, no bairro Sumaré, em São Paulo.
O evento está programado para às 11h e contará com a participação do advogado-geral da União, Jorge Messias, além de familiares de Vladimir Herzog e convidados especiais. A escolha da data não é casual, uma vez que este ano, em outubro, completam-se 50 anos da morte do jornalista, marcando meio século de luta por memória, verdade e justiça.
Legado e reconhecimento internacional
Vladimir Herzog, conhecido pelos amigos como Vlado, tornou-se um dos principais símbolos da luta por memória, verdade e justiça no Brasil após ser assassinado pela ditadura militar há quase 50 anos. Sua morte, inicialmente apresentada pelas autoridades como suicídio nas dependências do DOI-CODI em São Paulo, mobilizou a sociedade civil em uma demonstração histórica de resistência ao regime autoritário.
O culto ecumênico de sétimo dia realizado na Catedral da Sé, em 31 de outubro de 1975, reuniu milhares de pessoas e é considerado um dos marcos fundamentais do movimento pela redemocratização brasileira. O evento demonstrou que, mesmo sob intensa repressão, a sociedade civil mantinha viva a capacidade de resistência e luta por direitos fundamentais.
Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por não ter investigado, julgado e punido adequadamente os responsáveis pela tortura e assassinato de Herzog. A sentença internacional definiu o crime como de lesa-humanidade e determinou que o processo penal fosse reiniciado, evidenciando a dimensão internacional da busca por justiça no caso. Durante sua carreira jornalística, Herzog trabalhou em importantes veículos como O Estado de S. Paulo, TV Excelsior, Rádio BBC, revista Opinião e TV Cultura, consolidando-se como profissional comprometido com a liberdade de imprensa e os valores democráticos.