O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, apresentou voto divergente questionando a independência judicial da Corte ao votar contra as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Em fundamentação de 17 pontos, Fux argumentou que as restrições são desproporcionais e carecem de demonstração concreta dos requisitos legais necessários. O ministro defendeu que questões econômicas transnacionais devem ser resolvidas nos âmbitos político e diplomático, não pelo Judiciário.
Fux adotou o relatório apresentado por Alexandre de Moraes, mas divergiu completamente da conclusão. O ministro manifestou preocupação com a premissa de que o STF poderia ser influenciado por pressões externas.
“A Corte tem demonstrado de forma inequívoca a sua independência e a sua impermeabilidade às pressões dos setores que manifestam desagrado com as suas decisões”, afirmou no documento oficial do voto.
Independência judicial como pilar fundamental
Em sua fundamentação, Fux enfatizou que a independência dos magistrados constitucionais é pilar fundamental do Estado de Direito. O ministro citou jurisprudência do próprio STF para defender que sem juízes independentes não há sociedades nem instituições livres.
“Os juízes devem obediência unicamente à Constituição e às leis de seu país”, escreveu Fux. “Na seara política, contextos e pessoas são transitórios. Na seara jurídica, os fundamentos da República devem ser permanentes.”
O ministro questionou diretamente a premissa de que articulações nos Estados Unidos poderiam influenciar julgamentos no STF. Segundo Fux, essa possibilidade “esbarra no fundamento básico de que o Poder Judiciário detém independência judicial”.
Críticas aos requisitos legais das cautelares
Fux apontou ausência de demonstração concreta dos requisitos do periculum in mora (perigo da demora) e fumus comissi delicti (fumaça da prática do delito). O ministro destacou que Bolsonaro apresenta domicílio certo e passaporte retido.
“A Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República não apresentaram provas novas e concretas nos autos de qualquer tentativa de fuga”, argumentou. O ministro criticou que o decisum se baseia em “possível prática de ilícitos”.
Para imposição de cautelares penais diversas da prisão, Fux defendeu ser indispensável a demonstração concreta da necessidade da medida. “Não se vislumbra nesse momento a necessidade, em concreto, das medidas cautelares impostas”, concluiu.
Questões de liberdade de expressão
O ministro dedicou extensa fundamentação às restrições de liberdade de expressão impostas pelas medidas. Fux citou precedentes do STF para defender que a jurisdição cautelar não pode converter-se em prática inibitória da liberdade constitucional.
“O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória da liberdade constitucional de expressão e de comunicação”, citou jurisprudência do ministro Celso de Mello.
Fux classificou como confronto com cláusula pétrea o impedimento prévio e abstrato de utilização de redes sociais. O ministro argumentou que tais restrições caracterizam censura estatal, sempre ilegítima no Estado Democrático.
Âmbito político versus judicial
Sobre as questões econômicas transnacionais, Fux defendeu que devem ser resolvidas nos âmbitos políticos e diplomáticos próprios. O ministro mencionou que o presidente da República, coadjuvado pelo Congresso Nacional, vem procedendo adequadamente nessa seara.
A investigação apura se Eduardo Bolsonaro buscou “criar entraves econômicos nas relações comerciais entre Estados Unidos e Brasil” para obstar ação penal da trama golpista. Para Fux, tais questões fogem da alçada judicial.
O ministro também destacou que a tutela cautelar foi concedida em novo inquérito contra Eduardo Bolsonaro, mas em razão de ação penal movida contra Jair Bolsonaro.
Princípios da proporcionalidade
Fux invocou o princípio da proporcionalidade para fundamentar sua divergência. “As medidas de coerção e de restrição devem obedecer ao princípio da proporcionalidade”, escreveu, citando sua defesa de cátedra sobre tutela de segurança.
“A amplitude das medidas impostas restringe desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação”, argumentou o ministro.
Fux concluiu que os princípios da necessidade e adequação se encontram desatendidos no presente caso. O ministro ressalvou que a tutela antecipada cautelar tem natureza provisória e não pode revestir-se de “julgamento antecipado”.
Reserva para reavaliação futura
O ministro reservou-se a prerrogativa de reavaliação das questões quando do exame do mérito das “possíveis condutas ilícitas”. Fux classificou a análise como cautelar e ainda perfunctória dos fatos.
“Conclusivamente, reiterando as vênias de estilo, apresento voto divergente, não referendando a decisão”, concluiu o ministro. A votação final foi de 4 votos a 1, mantendo as medidas cautelares determinadas por Moraes.